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TV Globo x Flamengo: a senha para o fim dos estaduais?

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O anúncio da TV Globo, nessa quinta-feira, de não mais transmitir jogos do Campeonato Carioca, por causa de uma queda de braço com o Flamengo, pode ter ecos muito além da Gávea. Para quem acompanha os bastidores do futebol nos últimos anos, esse movimento no tabuleiro de xadrez parece ser presságio de algo maior. O grande xeque-mate talvez seja uma decisão que vem sendo especulada há muito tempo de maneira discreta, porém persistente: o fim dos campeonatos estaduais.



Não vai ser uma relação causa-consequência imediata do que se desenrolou no Carioca, até porque há vínculos em vigor. Mas o que acontece por lá pode ser um passo significativo para uma mudança mais profunda no calendário do futebol brasileiro. Não é de hoje que ela vem sendo aventada, cozinhada em fogo baixo. O momento para ser servida à mesa pode ter chegado.

No Rio, o imbróglio começou no ano passado, com o desencontro nas negociações pela assinatura do contrato dos direitos de transmissão do estadual. O Flamengo discordou dos R$ 18 milhões pagos pela emissora como cota para os três grandes: Botafogo, Fluminense e Vasco.

Com o time em alta no mercado, os dirigentes flamenguistas não aceitaram receber o mesmo que seus pares. E apresentaram uma contraproposta de nada menos de R$ 80 milhões. Nada feito.

O ápice dessa queda de braço veio com a exibição ao vivo, pela FlaTV, da partida contra o Boavista. O clube se baseou na Medida Provisória 984 (que passa ao mandante os direitos de transmitir os jogos), editada em junho pela Presidência da República – de estreito relacionamento com os cartolas rubro-negros.



Alegando quebra de contrato, a Globo renunciou ao Carioca, comprometendo-se a pagar pelas cotas como combinado.

Para o Flamengo, de fato, pode fazer pouca diferença o dinheiro da TV. No início deste ano, o clube faturou R$ 16,5 milhões com premiações e bilheterias de dois títulos (Supercopa e Recopa) e do primeiro turno do Carioca – quase o mesmo valor oferecido pela Globo.

Para Botafogo, Fluminense e Vasco, não deixa de ser uma receita bem-vinda, já que estão em situação financeira delicada e sem grandes perspectivas de títulos que resultem em pomposas premiações. Mas, pela tradição e peso da camisa, também podem acabar se virando com outros patrocinadores.



Agora vai explicar para os clubes menores como será ficar sem a receita da TV, caso a Globo desista de vez da competição. Entraram nos cofres de Bangu, Volta Redonda, Cabofriense e Boavista, por exemplo, nada menos do que R$ 4 milhões.

Isso sem contar a premiação acordada: R$ 3,5 milhões ao campeão, R$ 1,5 milhão ao vice, R$ 1 milhão para os vencedores das Taças Guanabara e Rio, e R$ 150 mil do segundo ao quarto colocados de cada turno do campeonato.

O vínculo da emissora com o Carioca vai até 2024 (apenas com o Flamengo ia até 2019), porém, o cenário parece bem nebuloso atualmente.

Vamos estender esse panorama para os outros cantos do país para ver o impacto financeiro, caso a principal patrocinadora dos estaduais saia de campo.



Neste ano, a TV pagou pela transmissão do Campeonato Mineiro, a Atlético e Cruzeiro, R$ 14,3 milhões cada – o clube celeste antecipou sua parte na temporada passada. O América teve direito a R$ 4 milhões.

A cota de Boa, Caldense, Coimbra, Patrocinense, Tombense, Tupynambás, Uberlândia, URT e Villa Nova foi de R$ 1 milhão.

O contrato vai apenas até a edição do ano que vem. Novamente: Atlético e Cruzeiro podem se virar bem e até arrumar uma forma de transmitir seus jogos (e arrecadar com isso), pelos canais oficiais de internet. Já os demais... Sem a renda e o Estadual, alguns deles podem até desaparecer, já que montam times essencialmente para disputar a competição.

O Paulista está acertado com a Globo até 2022. É o campeonato que custa mais à emissora. Também está no mercado mais forte do país e tem equipes do interior mais bem estruturadas.

Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo receberam, neste ano, R$ 26 milhões cada. Para Água Santa, Botafogo, Bragantino, Ferroviária, Guarani, Inter de Limeira, Ituano, Mirassol, Novorizontino, Oeste, Ponte Preta e Santo André, a cota foi de R$ 6 milhões. 






Ainda cabem premiações por objetivos: R$ 5 milhões ao campeão e R$ 1,650 milhão ao vice, além de valores que vão de R$ 1,080 milhão (ao terceiro colocado) a R$ 100 mil ao 14º.

No Gaúcho, o contrato com a Globo vale até o ano que vem. Grêmio e Internacional tiveram direito, nesta temporada, a R$ 13 milhões cada. Brasil de Pelotas e Juventude, a R$ 1,5 milhão cada. E Aimoré, Caxias, Esportivo, Novo Hamburgo, Pelotas, São Luiz, São José e Ypiranga a R$ 1 milhão cada.

No Baiano, a situação é mais complicada porque o vínculo é só até este ano. Se decidir abrir mão dos estaduais, a Globo pode começar por ali. As cotas são bem menores: para Bahia e Vitória, foi de R$ 912,5 mil cada. Atlético de Alagoinhas, Bahia de Feira, Doce Mel, Fluminense de Feira, Jacobina, Jacuipense, Juazeirense e Vitória da Conquista embolsaram R$ 121,3 mil cada. 

No Nordeste, possivelmente o estado de torcida mais apaixonada seja Pernambuco. Lá, os direitos de TV vão até 2022. Sport, Náutico e Santa Cruz ficam com 75% do patrocínio total, dividindo igualmente R$ 3 milhões. Afogados, Central, Decisão, Petrolina, Retrô, Salgueiro e Vitória levaram, neste ano, R$ 143 mil cada.



Pouco atrativos para os clubes das capitais, os estaduais têm se sustentado mais pela tradição e pelo clamor das federações, que também veem na competição uma fonte de renda. Já vinham perdendo apelo e, com a pandemia do novo coronavírus, a situação ficou ainda mais desfavorável por causa da recessão econômica.

Sem o televisionamento dos jogos para dar visibilidade aos patrocinadores, dificilmente seriam mantidos. Ou teriam de sofrer uma grande mudança de formato, com menos datas e talvez sem a presença dos grandes - que são, justamente, a salvaguarda dos times do interior, pois garantem maior valorização da competição e ganho a mais de bilheteria.

Tecnicamente, os estaduais não têm acrescentado muito. E são cada vez mais raras as revelações de jogadores, diferentemente do que ocorria no passado. Na prática, eles têm servido para a sobrevivência de clubes menores e como uma espécie de aquecimento de temporada para os grandes. A cisão no Rio pode ser o golpe fatal nessa longa história.