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TIRO LIVRE

Os jogos de futebol e a COVID-19 no Brasil: política do Pão e Circo?

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Não é difícil perceber que estamos vivendo um momento histórico. A pandemia de COVID-19 não apenas marcará as nossas vidas, pessoalmente, como ficará registrada para sempre, sendo relatada às futuras gerações daqui a décadas, séculos até. Como aprendemos sobre a gripe espanhola, a peste bubônica e tantos outros fatos que marcaram a humanidade anos atrás, lá na frente eles vão tomar conhecimento do que estamos passando agora. E aí fica a pergunta: à parte de toda tragédia, qual a história que queremos contar?

Como o nosso assunto aqui é esporte, nada mais adequado do que centrar o questionamento em como será o capítulo destinado a essa área. Qual será o quinhão de cada um nessa herança? Políticos, dirigentes, atletas, ex-atletas, comissões técnicas dos clubes, médicos, jornalistas, torcedores... Você se orgulha da sua participação nesse roteiro?

Recorrendo à História (essa, com o H maiúsculo), a gente vê como o esporte pode extrapolar o simples conceito de prática esportiva e lazer – como vem sendo pregado por muitos por aí para justificar a volta dos campeonatos de futebol no Brasil.



Ele já foi instrumento de manipulação de massas. Já foi usado como distração política. Já serviu para segregar comunidades. É nosso dever não se curvar a isso mais uma vez, principalmente em meio a uma pandemia – e aqui vai a análise de uma jornalista e do papel que ela entende que tem perante a sociedade.

Com o contágio pelo novo coronavírus ainda fora de controle no país (e no mundo, conforme avaliação da Organização Mundial de Saúde, embora em outros continentes a primeira onda do surto tenha sido superada) e diante do aumento no número de casos e mortes, soa no mínimo precipitado falar em mandar times a campo, para disputar competições.

É como se o futebol se desconectasse da realidade. Ou, então, tentasse desconectar os outros da realidade.

De certa forma, nos remete a um desses momentos históricos em que o esporte foi usado como um meio, e não um fim. Quase uma nova versão da política do Pão e Circo, adotada pelo império romano, em que a distribuição de alimento e o entretenimento foram utilizados como ferramentas de estabilidade social, apaziguando os ânimos da camada mais pobre da população diante da grande desigualdade da época.



Pense num grande diagrama de PowerPoint (como esses que ficaram famosos nos últimos tempos) para entender a conexão que vem a seguir.

Desde os primeiros relatos de contaminação pelo novo coronavírus no Brasil, a Presidência da República prega uma “normalidade” no país. Foi da “gripezinha” ao “isolem só os idosos”.

De estreito relacionamento com dirigentes do Flamengo, a principal autoridade brasileira ganhou um aliado de peso nessa batalha. Um dos clubes de maior torcida do país, com alcance mundial, se colocou na linha de frente para, em primeira instância, a volta do Campeonato Carioca – mesmo com o Rio de Janeiro imerso em uma das situações mais dramáticas da pandemia.

Depois, veio o aval da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), com seu presidente, Rogério Caboclo, em entrevista publicada pelo jornal O Globo no fim de semana, cravando o início das séries A, B e C para o segundo fim de semana de agosto.



Por consequência, uma pressão se impôs sobre as federações estaduais para que também retomassem seus campeonatos, caso queiram decidir o título em campo. Tipo assim: abriu a porteira para passar a boiada. No meio de uma pandemia, sempre importante frisar.

O governo de São Paulo, então, autorizou a volta do Campeonato Paulista para o dia 22. Em Minas, a Federação Mineira de Futebol reafirmou o retorno do Estadual para o dia 26, embora o pico da COVID-19 no estado esteja previsto para o dia 15, e ninguém saiba ao certo como estará o cenário nas semanas subsequentes.

Num efeito cascata, o mesmo movimento, de retorno das competições, foi feito por federações e governantes do Sul (nessa quinta-feira ficou definido que o Gaúcho volta no dia 23) e do Nordeste.

 

Em mais uma tacada da CBF, foi divulgado o calendário revisado das competições, incluindo Brasileiro, Copa do Brasil e Copa Nordeste. Tudo interligado. No meio de uma pandemia.



A coluna Tiro Livre já mostrou como foi na Europa. Quanto tempo depois do pico da doença os campeonatos foram retomados. Aqui, em um país com dimensões continentais, parece que isso não tem sido levado muito em conta.

Nesse contexto, a disputa de competições não significa tão somente a retomada de partidas de futebol. Significa uma naturalização de toda a situação. Uma espécie de adormecimento social. Estão morrendo pessoas, mais de 1 mil por dia em média no Brasil. A doença ainda se espalha. Mas a bola tem de rolar, dizem. Será que tem mesmo?, pergunto.

audima