Os últimos tempos têm mostrado que se há uma certeza que podemos apreender nesta vida é que não há grandes certezas sobre nada. Não é possível ter tudo sob controle o tempo todo. Mas existem certas situações evitáveis, em que mesmo antes de entrar a pessoa já dispõe de elementos para saber que a chance de não dar certo é enorme – e isso vale para relações humanas e profissionais. Mesmo assim, muita gente embarca. Talvez acreditando em forças vibracionais positivas emanadas pelo universo ou pela cegueira típica das grandes paixões, que nos tiram a racionalidade diante dos fatos. E a segunda passagem do atacante Fred pelo Cruzeiro é um desses casos em que o revertério estava anunciado.
Lá no fim de 2017, quando o acordo para o retorno do jogador à Toca da Raposa II foi selado – devidamente registrado com fotos sorridentes dos personagens envolvidos e marcado pela empolgação dos torcedores que reencontrariam o ídolo –, era possível prever que num momento qualquer o que era prenúncio se materializaria.
Esse roteiro, na verdade, começou a se desenhar em meados de 2016, quando Fred, rompido com o então técnico do Fluminense, Levir Culpi, fez as malas para voltar ao estado natal. A notícia de que o destino era o Atlético não agradou a cruzeirenses que o adoravam. Foi como uma traição. Imperdoável.
Afinal, embora revelado pelo América, foi com a camisa celeste que Fred fizera seu nome nacionalmente e carimbara o passaporte para o futebol europeu, indo para o francês Lyon.
Mesmo a distância, Fred sempre declarou amor ao Cruzeiro. De novo no Brasil, repatriado pelo Fluminense, fazia questão de não comemorar os gols que marcava na Raposa. Como se isso atenuasse no coração azul o peso de balançar as redes do time. De fato, muitos torcedores davam a Fred essa salvaguarda. Ele fumava, mas não tragava, parafraseando a frase dita pelo ex-presidente norte-americano Bill Clinton.
Pois esse amor imaculado sofreu a primeira cisão quando Fred aceitou vestir as cores alvinegras. Por um ano e meio, ele deixou o olimpo dos deuses celestiais, para onde veio a retornar – embora distante de ser unanimidade – em dezembro de 2017, ao assinar aquele documento.
Naquele momento, o Cruzeiro fazia só mais um de vários maus (lesivos até) negócios da gestão de Wagner Pires de Sá e Itair Machado. Noves fora a idade avançada do atacante (34 anos) e a condição física que já não era a ideal, o fato de ignorar a cláusula contratual que previa multa inicial de R$ 10 milhões ao Atlético era de uma irresponsabilidade sem tamanho.
Os dirigentes esbanjavam confiança de que anulariam tal multa. Quem acompanhava de fora (e até de dentro do clube) sabia que não seria tão fácil assim.
Ficasse só nesse particular, já era sinal de mau agouro. Mas aos poucos vieram à tona outros fatos que mostram quão nocivo foi aquele acerto para o Cruzeiro. São premiações milionárias para metas alcançadas e cláusulas compensatórias que beiram o absurdo.
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A herança maldita é dos dirigentes, que se apossam dos clubes como donos e depois vão embora como se não tivessem nada a ver com o problema. Lembre-se sempre disso quando seu time fizer uma contratação bombástica. Promessa de gols não garante bons negócios.