Se há uma coisa em que a gente ainda precisa evoluir no futebol (e na vida em geral) é a pressa em criar rótulos. Em colocar um carimbo na testa de quem é bom – e que com isso parece perder o direito de errar – e de quem nem é tão bom assim, mas em um dia inspirado é alçado à condição de semideus e tem todos os pecados redimidos.
A vida não deveria ser sempre ou só preto ou só branco. É para isso que existe uma cartela de cores. Também não se encerra no frio ou no quente – o morno, por vezes, vem a calhar.
A passionalidade do futebol acaba por explicar essas análises mais imediatas e rasas. E o técnico atleticano Jorge Sampaoli tem sido um exemplo perfeito dessa dicotomia forçada.
Em quatro jogos do Campeonato Brasileiro, foi classificado de gênio após as vitórias sobre Flamengo, Corinthians e Ceará e de superestimado depois da derrota para o Botafogo. Na verdade, em nenhum momento o argentino foi só um ou só outro.
Esses dois Sampaolis que alguns tentam limitar em caixas separadas coexistem, são partes de um todo. E quer saber? Todos nós somos assim, não é só com ele! “Somos instantes”.
Essa alternância em Sampaoli nada mais é que resultado do estilo inquieto dele. Uma forma de trabalho que vem marcando a carreira do argentino, e que talvez seja encarada com mais naturalidade em outros centros do futebol nos quais predomina a visão mais ampla de time. Neles, uma equipe não se resume a 11 atletas nem tampouco a um só esquema de jogo.
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O problema do Atlético não era só DudamelAtlético e Cruzeiro podem fazer, neste sábado, o único clássico do anoA quarentena particular de Gustavo Blanco no GaloA ideia que pode levar Sampaoli para longe do AtléticoCruzeiro precisa tirar o verniz e encarar a realidade na Série BThiago Neves, Villa, Sampaoli e a falta de respeito no futebolSão cartadas que ele dá de maneira consciente para que a dinâmica de seu time seja alterada sem grandes traumas dentro de uma partida, ou de um confronto para outro. E isso só se consegue treinando e jogando.
Vai ser fazendo na prática que ele vai ver o que funciona. Em alguns casos, não vai funcionar mesmo. Nessas horas, o importante é o treinador ter sensibilidade para reconhecer que errou e agir rapidamente para mudar.
Não é tão somente pelo status que alcançou nos gramados que Sampaoli trabalha assim. Ele faz isso porque é assim que ele entende o futebol.
O fato de ser um treinador de grife o credencia, claro, a tomar atitudes mais ousadas, porque ele acaba tendo mais respaldo para lançar mão da ideia que quiser, por mais absurda que possa soar para nós, reles mortais. Isso não o exime das críticas quando erra. Nem dos elogios, quando se percebe que há um caminho sólido sendo construído.
Esse estilo de trabalho do argentino está longe de ser algum traço isolado de genialidade. É estudo. É ambição. É inquietação. É convicção. São características da personalidade dele. E a missão dele é tornar essa estratégia bem-sucedida a longo prazo.
Só que não dá para ficar rotulando o técnico a cada mudança de direção do vento.
Essa ousadia meticulosa é saudável, muito necessária, aliás, principalmente nos jogos contra times de nível mais elevado. Porque hoje em dia é tudo muito previsível. O trabalho de um treinador é, sim, encontrar uma base consistente para a equipe, mas, além disso, é oferecer ao time “saídas de emergência” nos momentos em que a tática escolhida não estiver dando certo.
É para isso que o “professor” está lá, não é mesmo?
Sampaoli não faz experimentações baratas, movidas por resultados imediatos. Isso é claro desde a época do Santos. O torcedor e, nós, críticos do futebol, temos de acostumar o nosso olhar a esse jeito do argentino, que se der certo pode ser muito positivo para o Galo.
Avaliações precipitadas não passam disso: precipitação.
O Atlético está nessa fase, a de azeitamento da máquina. É natural que haja oscilação. É natural que uma ou outra experiência não dê certo. Nessa caminhada, ele será elogiado e criticado pelas escolhas, faz parte. Mas não dá para estabelecer vereditos, decretar que já deu ou não certo.
Sampaoli ainda está construindo o Atlético dele – ou melhor, os vários Atléticos dele. A esta altura, não faz o menor sentido endeusar o trabalho do treinador no alvinegro, muito menos crucificá-lo.