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Surto de COVID-19 no Flamengo acende o debate entre vingança e isonomia

Deve ou não haver o jogo contra o Palmeiras, marcado para domingo, pelo Campeonato Brasileiro?


24/09/2020 17:22 - atualizado 24/09/2020 18:11

Everton Ribeiro foi um dos flamenguistas diagnosticados com a COVID-19 nessa quarta-feira(foto: Alexandre Vidal / CRF)
Everton Ribeiro foi um dos flamenguistas diagnosticados com a COVID-19 nessa quarta-feira (foto: Alexandre Vidal / CRF)
Pois é, meus amigos, a Terra (que há quem acredite ser plana) dá voltas. E numa dessas voltas, prega lições nos desavisados. A bola da vez é o Flamengo. Forte defensor do retorno do futebol no Brasil em meio à pandemia do novo coronavírus, se viu praticamente sem time para mandar a campo, mediante o surto de COVID-19 que se abateu sobre a Gávea: sete jogadores tiveram a infecção confirmada na segunda-feira (21), antes do duelo contra o Barcelona, em Guayaquil, pela Copa Libertadores, e mais nove casos foram detectados nessa quarta (23).

E aí começou o debate: deve ou não haver o jogo contra o Palmeiras, marcado para domingo, pelo Campeonato Brasileiro?

Já houve todo tipo de opinião sobre o assunto – afinal, no centro da discussão está o Flamengo, dono de uma das maiores torcidas do país (e um dos maiores orçamentos) e que aglutina mais comoção em suas vitórias e em suas derrotas que os demais.

Há quem pregue que por trás da defesa de manutenção da partida esteja uma espécie de vingança, aquele prato que segundo o ditado se come frio. Outros, com a tese de que é um caso de saúde pública, dizem que o adiamento seria o mais sensato.

Desde a retomada das competições no Brasil, oito confrontos já tiveram de ser remarcados por causa da pandemia. Mas não existe um padrão. Há equipes que vivenciaram tal dificuldade e não receberam nenhum tipo de concessão. 

No início de agosto, o CSA teve oito jogadores diagnosticados com a doença às vésperas de enfrentar o Guarani, pela Série B do Brasileiro. E o jogo foi disputado.

No domingo (20), na rodada de abertura da Série D, o Palmas-TO, também com oito atletas com COVID-19, teve apenas dois reservas contra o Villa Nova, no Alçapão do Bonfim. No mesmo dia, a Caldense viveu problema idêntico contra o Brasiliense: oito baixas e a negativa de remarcação do confronto.  

Mesmo com muitos infectados, esses times tiveram de entrar em campo. Para eles, não houve comoção nacional, nem tampouco empatia por parte da CBF e afins. Por isso, há quem entenda que o Flamengo atue com o que tiver disponível no domingo. Por isonomia.

Ao serem tão veementes com relação à volta do futebol, dirigentes que compactuaram com a ideia assumiram todos os riscos que dela advêm. Inclusive o de ficar sem seus melhores jogadores – e até mesmo sem jogador algum – para entrar em campo. 

Quando da volta do Campeonato Mineiro no fim de julho, ainda com a pandemia em ascendência no estado, escrevi que a sensação era de uma roleta russa. Por mais que sejam determinados protocolos sanitários para cercar, dentro do possível, os agentes do futebol, não há garantia de 100% de que ninguém será acometido pela doença.

Nem tampouco há certeza de como o organismo de cada um vai reagir caso contaminado. E ainda: o risco que essas pessoas correm de passar o vírus adiante.

Agora, dirigentes já falam da volta de torcedor ao estádio, estipulando o percentual de 30% da capacidade das arenas. Inclusive aqui em Minas, cartolas de Atlético e Cruzeiro já se posicionaram de forma favorável. É irresponsabilidade. Não dá para classificar de outra forma.

Eles não têm como assegurar que as pessoas que forem ao estádio estarão livres da possibilidade de se contaminar e de contaminar outros. E até de morrer de COVID-19.

Aí, naquela lógica invertida, algumas pessoas baseiam seus argumentos no livre funcionamento de bares e restaurantes por exemplo, onde cenas de aglomeração (igualmente inconsequentes e irresponsáveis) são registradas a cada fim de semana.

Ora, se uma coisa está errada é nela que alguém vai embasar um ponto de vista para justificar outra também errada? O exemplo não deveria vir de algo que está certo? Não dá para entender.

Como o futebol europeu volta e meia é usado de parâmetro no Brasil, apesar de um oceano (de forma literal e figurada) separar as duas realidades, vamos ao que está ocorrendo por lá. Com a ressalva de que o Velho Continente controlou a primeira onda da pandemia ao adotar medidas bem restritivas (o Brasil vive na primeira onda desde março) e agora, com a queda de temperatura, vê a segunda onda chegar. E eles estão assustados.

Na Inglaterra, o primeiro-ministro Boris Johnson (que se curou do negacionismo depois de ser internado por causa da COVID-19) já reviu o plano sobre a presença de torcedor em estádio. Pelo menos nos próximos seis meses, isso está fora de questão. 

Na Alemanha, desde sábado (19) foi liberada 20% da capacidade dos estádios, com obrigatoriedade do uso de máscaras e do distanciamento de 1,5m entre os torcedores. Agora pergunta se isso foi seguido à risca? Não, não foi. E o debate renasceu. A Federação dos Médicos do país, contrariada com tal liberação, alerta que o perigo de um contágio em massa é real.

No Reino Unido, foram mais de 54 mil casos nos últimos 15 dias. Na Alemanha, quase 22.500 novas confirmações nas duas semanas que se passaram. No Brasil, no mesmo período, mais de 426 mil novos infectados – média atual de 900 mortes por dia. Acho que qualquer comparação pode parar por aqui.

Que essas pessoas que tomam decisões, dentro e fora do futebol, se conscientizem de uma vez que elas estão lidando com vidas. 

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