Diego Armando Maradona transcende o futebol. O deus argentino se fez imortal pelos gramados, mas também fora deles deixou uma marca inabalável. Um ídolo forjado por incontáveis lances geniais em campo e igualmente por muitos capítulos (controversos inclusive) escritos fora deles.
Uma vida que não se encerra com a sentença final da morte, decretada por uma parada cardíaca nesta quarta-feira. Quis o destino que a história desse ser tão passional fosse interrompida, justamente, pelo coração.
Talvez comoção igual nunca mais seja vista na despedida a um esportista no mundo. Na Argentina e na região italiana de Nápoles decerto não se verá nada igual. Um luto que vai além da tristeza provocada pelo adeus.
Afinal, a morte é atalho para uma eternidade a que Maradona já fazia jus. Ele já havia alçado tal condição, e virar essa página agora, da forma súbita como foi, soa como mero protocolo reservado às divindades.
Há quem não compreenda o motivo da adoração ao único jogador que conseguiu de fato deixar um senão no reinado absoluto de Pelé, ou a razão de esse culto extrapolar todo e qualquer clichê. É porque eles olham apenas sob a ótica dos mortais. E Maradona foi tudo, menos guiado pelo pragmatismo. Um ser totalmente abstrato. Dono de sua própria realidade, como convém aos que têm trajetória delineada pela infinitude.
Quem mede Maradona pela régua da racionalidade não concebe o legado deixado por ele, muito menos entende a dimensão de sua importância, futebolística, política, social e até cultural.
O camisa 10 da alviceleste foi muito mais do que o pibe que aos 18 anos já encantava por sua qualidade extraclasse. Foi mais que maestro da conquista da Copa do Mundo de 1986 pela Seleção Argentina. Foi além do intermediário de Deus no gol de mão contra os ingleses.
A fama conquistada como jogador serviu tão somente de escada para uma idolatria sem medidas. Literalmente, Maradona foi uma religião na vida de muitos de seus seguidores – que criaram, em Rosário, a Igreja Maradoniana.
Foi herói e anti-herói em um mesmo tempo e espaço. “Uma síntese ambulante das fraquezas humanas”, como bem descreveu Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio cujo amor pelo futebol e seus personagens corria como sangue nas veias. “O mais humano dos deuses”, completou Galeano, com a simplicidade inerente aos gênios.
Como um tango, Maradona foi dramático. Passional. Intenso. Foi transgressor, flutuando sem medo entre os extremos. Debochado. Provocador. Viveu, até o último suspiro, segundo seu manual, gostasse quem gostasse.
Em vários momentos, num ritmo alucinantemente autodestrutivo. Ressurgiu como fênix várias vezes, charuto na boca, rodando camisa em um camarote da Bombonera.
Nunca se preocupou em agradar, muito menos em ser politicamente correto. Na política, sobretudo, encarnou como poucos o espírito libertário latino-americano. Vestiu a camisa de seus ídolos, levantou bandeiras.
Quem testemunhou sua existência viu a história ser escrita em todas as suas nuances. Viu a magia que o futebol é capaz de proporcionar, todas as fronteiras que ele ajuda a romper e as armadilhas que costuma deixar pelo caminho. El pibe de oro brilhou, deixou lembranças e lições.
Maradona sempre foi Maradona. Pagou um preço alto por isso na proporção com que, também por esse motivo, amealhou fãs. Temperatura máxima. Nunca morno. Autêntico em cada um de seus gestos e movimentos. Imortal como os deuses, imperfeito como os mortais.