Depois de um mês de merecidas férias, em um quase absoluto isolamento para tentar abstrair do pandemônio da pandemia, distante o máximo possível das notícias (a maioria ruins) que o nosso Brasil reproduz como ratos, sinto-me como uma extraterrestre que desceu à Terra e tem dificuldade em entender o que se passa no planeta bola. Mais especificamente, o planeta Atlético.
Olho para a classificação do Campeonato Brasileiro: o time é vice-líder. Tem o segundo melhor ataque da competição, com 44 gols marcados, um a menos que o São Paulo, dono da ponta. É o segundo time que mais venceu – 14 triunfos em 26 jogos –, novamente superado somente pelo tricolor paulista, que contabiliza 15.
É, ainda, a equipe que menos empatou: quatro vezes, posição que divide com Athletico-PR, Sport e Bahia.
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Para uma desavisada (como é o meu caso, pós-retiro 'espiritual'), soam um pouco exageradas algumas reações pós-derrota para o São Paulo.
As críticas pelo jogo em si são devidas. Críticas pontuais. Erros, de fato e de direito, existiram, precisam ser apontados. Jorge Sampaoli, que vive entre o endeusamento e a crucificação, deve ser responsabilizado, sim, por suas escolhas equivocadas. Pelos pecados capitais da defesa e a inoperância do ataque. Esse é um lado da moeda.
Mas há outro. Uma generalização meio over, cobranças bem ao estilo terra arrasada. Um pouquinho acima do tom. É como se estivesse tudo muito ruim, desde o início. Como se o time estivesse caindo pelas tabelas, lutando para não ser rebaixado. Ou tivesse perdido para um adversário de menor expressão, quiçá em fase ruim. O que não é o caso.
Há uma tese de que a gente precisa do frio para se dar conta da existência do calor. Da noite para apreender o dia. Da doença para valorizar a saúde. São dicotomias que ajudam na compreensão da vida, em todas as suas nuances. Quando a gente parte para a automatização, se perde nesse caminho. Noite e dia se fundem. Nem um, nem outro são percebidos com a devida relevância e particularidades.
O Atlético já viveu uma fase muito sombria. Eu, como repórter, a relatei por alguns anos. Inclusive, na pior de todas as temporadas, a de 2005. De bloquinho na mão, lá estava a registrar, do primeiro ao último jogo, a saga do rebaixamento para a Série B. Um pesadelo construído, tijolo a tijolo.
Também como repórter registrei nas páginas do Estado de Minas outros capítulos infelizes da história alvinegra – como aquela fatídica eliminação na Copa do Brasil para o modesto Brasiliense, com o primeiro jogo (derrota por 3 a 0) diante de um Mineirão lotado.
O que ocorre agora não é nem um décimo do que foi aquilo. Mas a ira nas análises traz alguma familiaridade com aquele momento.
Um viés psicológico talvez explique essa mão pesada sobre o vice-líder Atlético. O fundo do poço deixa marcas, principalmente no torcedor. O receio de que o pior sempre está por vir. De que o pão atleticano só cairá com a manteiga para baixo.
São traumas que volta e meia acendem a luz vermelha, quando a amarela já seria suficiente para dizer que algo não vai bem. É um carimbo difícil de ser retirado.
Com a experiência de quem testemunhou aquela etapa desastrada e desastrosa do compêndio atleticano me permito dizer: muita calma nesta hora.
Não é nem questão de dar voto de confiança a Sampaoli, mas de enxergar a situação de maneira mais objetiva e racional. A participação do Atlético no Brasileiro está bem longe de ser vexaminosa, preocupante.
Derrotas como essa para o São Paulo fazem parte (assim como o Galo também goleou o time paulista no turno). Não se pode colocar defeitos e virtudes numa mesma prateleira, sem divisão entre eles.
O grande problema do Atlético não é nem a derrota para o São Paulo, por mais que fosse um confronto direto, decisivo na briga pelo título. Há pontos que ficaram para trás que são irrecuperáveis – e nesse balaio estão os tropeços diante de Fortaleza e Bahia, por exemplo, ainda que tenham sido fora de casa.
Até o revés para o Athletico-PR, no Mineirão, entra nessa conta.
O que o Atlético vive, neste momento, é mais uma frustração alimentada pela alta expectativa. Não é só reflexo de sua produtividade. Vai além disso. O time tem sido cobrado por algo que as pessoas gostariam que ele fizesse – e não necessariamente pelo que ele, de fato, vem fazendo.