O auê em torno da volta de Cuca ao Atlético – e o esforço que tem sido feito para limpar a barra do treinador, condenado, em 1989, por envolvimento sexual com uma menor de idade na Suíça – trouxe à tona debates que mostram (mais uma vez) como é preciso desvencilhar o futebol do machismo que está arraigado nele.
Antes de tudo, vamos aos fatos. Cuca e mais três jogadores do Grêmio – o goleiro Eduardo Hamester, o zagueiro Henrique (que também jogou no Corinthians) e o atacante Fernando Castoldi – foram detidos na Suíça, em 30 de julho de 1987, durante uma excursão da equipe, e posteriormente julgados e condenados por envolvimento sexual com uma menina de 13 anos.
O caso ficou conhecido como o Escândalo de Berna.
Eduardo e Henrique admitiram a relação com a jovem, assegurando, no entanto, que havia sido consensual. Fernando e Cuca sempre negaram participação.
Segundo as investigações, Fernando ficou vigiando a porta do quarto do hotel em que a delegação gaúcha estava hospedada e acabou absolvido da acusação de ato sexual, mas considerado cúmplice.
Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados a 15 meses de prisão e ao pagamento de US$ 8 mil cada. Os quatro já estavam no Brasil na época do julgamento e nunca foram extraditados, protegidos pela lei brasileira.
Matéria da revista Placar de 24 de agosto de 1987 traz um relato dos dias que se seguiram à prisão dos quatro atletas. A reportagem aponta que Cuca e Eduardo teriam induzido a garota à relação sexual e Henrique ao sexo oral.
Descreve o local onde o hoje treinador ficou detido: um castelo medieval transformado em prisão, na cidade de Burgdorf, a 28km de Berna.
Na cela, livros (todos em alemão), aparelhos de rádio e TV: “Assisti à vitória de Nelson Piquet na Hungria”, contou aos advogados Cuca, então com 24 anos. “Fiquei com a impressão de que ela tinha 18 anos”, disse, a respeito da garota. Essa frase, para muitos, é o atestado da participação dele no caso.
Em matéria da revista Veja de 12 de agosto de 1987, a mulher de Cuca, Rejane, dizia acreditar na inocência do marido. “Ele é incapaz de qualquer violência, muito menos sexual.”
A reportagem conta que aquela era a primeira viagem internacional do armador, recém-contratado pelo clube gaúcho. O crime prescreveu em 2004 – o que não quer dizer que ele nunca existiu. E ficou abafado. Até Cuca dar seu aval para a contratação de Robinho pelo Santos, no ano passado, quando o atacante enfrentava condenação, na Itália, justamente por estupro coletivo.
Mensagens de telefone interceptadas pela polícia local indicam a participação de Robinho e a tentativa, dele e dos amigos, de descredibilizar a versão da vítima.
O que muitos personagens do futebol não entendem é que, à luz da lei, esperamos, eles são iguais a qualquer um. Se cometem crimes, têm de ser julgados. E, ao cometer crimes, como figuras públicas, deixam um péssimo exemplo a quem os idolatra.
Para todos eles, um mea-culpa ajudaria a humanizar a situação. Reconhecer o erro seria um passo digno, pra dizer o mínimo. Era o que se esperava de Cuca quando ele “decidiu” se manifestar sobre o caso, nesta semana.
Não foi o que ocorreu.
Cuca é carismático. Tem uma ligação forte com o Galo, pela passagem feliz que teve no clube, mas isso não confere a ele nenhuma licença especial, nenhum atenuante, diante da condenação na Suíça.
E olha que aqui está uma jornalista que o admira como profissional.
A verdade é que se o mesmo fato fosse protagonizado por homens anônimos, imagino que não haveria tantos defensores por aí. No futebol, as figuras são tratadas quase como semideuses, intocáveis.
A mão firme do julgamento alheio só vale para desconhecidos ou desafetos. Isso sem contar os adeptos da versão de que a “mulher se ofereceu” e outras teorias chulas.
Nas últimas três décadas, Cuca e os demais personagens do Escândalo de Berna optaram pelo silêncio. E encontraram uma sociedade permissiva com esse tipo comportamento.
Hoje, a conscientização em relação ao respeito ao próximo cobra de todos postura bem diferente. Mais cristalina. Ainda está em tempo, Cuca.