Nesse último ano, se alimentou no nosso país uma dicotomia entre salvar vidas e salvar a economia. Como se não fossem questões interligadas e complementares. Como se não houvesse uma conexão fundamental entre elas: sem vidas, não há economia.
No campo esportivo, tem havido um movimento semelhante de quem dá as cartas. De colocar os campeonatos acima de tudo – e de todos.
Em reunião virtual com representantes de clubes em 10 de março, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, contrariado com a pressão pela paralisação dos torneios mediante o colapso da saúde em todo o país, afirmou: “Eu vou mandar no futebol brasileiro e vou determinar que vai ter competição. Porque vocês estão fod... se não tiver. Eu assumo o ônus por todos”.
Em outro trecho do encontro (cujas imagens vazaram nesta semana na imprensa), ele disse: “Se parar, sabe quando nós temos a segurança de dizer que a gente pode voltar? Nunca”.
De certa forma, essa última parte até tem algum sentido. Porque neste momento, com quase 3 mil pessoas morrendo todos os dias no Brasil – muitas sem conseguir atendimento médico, outras por falta de medicamentos nos hospitais e até de oxigênio –, realmente não dá para saber quando será coerente e seguro ter partidas de futebol.
O caso é que coerência, por vezes, é um conceito muito pessoal e relativo. Para mim, é inconcebível imaginar como alguém pode estar colocando a cabeça tranquilamente no travesseiro todas as noites diante de tanto, mas tanto sofrimento e insegurança.
Como é possível olhar apenas para o próprio umbigo e ignorar que o Brasil, hoje, vive um cenário de guerra nos hospitais?
Pois no futebol e na economia, a saída é uma só: pressionar pela vacinação em massa. Somente imunizando a população será possível a qualquer setor voltar a ter domínio sobre a sua atividade.
Apenas com a doença debelada será possível aos dirigentes cravar quando um campeonato vai começar e terminar. Hoje, no Brasil, ninguém tem esse poder. Ou pelo menos não deveria ter.
É preciso cair a ficha de uma vez de que, enquanto a maior parte da população não for vacinada, quem define o que vai funcionar ou não é o vírus. Quem determina se vai ter um jogo ou não é o vírus. Até que haja um mínimo de controle da situação, os calendários esportivos ficarão “sub judice”.
A pressão de dirigentes, torcedores, treinadores, jogadores e todos os envolvidos não tem de ser para manter as competições. Eles precisam cobrar é por vacinação em larga escala.
Nessa quarta-feira (24/3), a CBF anunciou a primeira rodada do Campeonato Brasileiro de 2021, com previsão de início para 29 de maio, com os seguintes jogos: Atlético x Fortaleza, Athletico x América, Flamengo x Palmeiras, São Paulo x Fluminense, Internacional x Sport, Bahia x Santos, Chapecoense x Bragantino, Corinthians x Atlético-GO, Ceará x Grêmio e Cuiabá x Juventude.
A análise de médicos e cientistas que estão há meses alertando sobre o avanço perigoso da COVID-19 no Brasil é de que, mantido o cenário atual, a tendência é de aumento no número de casos e mortes em abril e maio – chega-se à possibilidade até de 5 mil mortes por dia.
E isso não é alarmismo barato. É porque a realidade é alarmante mesmo.
Foi diante de um choque de realidade desses que o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio decidiu, há poucos dias, restringir a competição a espectadores que vivem no Japão, proibindo o acesso de turistas estrangeiros.
Não há segurança para vaivém pelo mundo agora, e ninguém pode assegurar que haverá entre 23 de julho e 8 agosto, quando a Olimpíada será disputada.
Assim, eles terão de devolver, nada menos, que os valores desembolsados pela compra de 600 mil ingressos.
O impacto financeiro disso é gigantesco. Mas o impacto sanitário, diante do risco de contágio da COVID-19, é maior.