A saída do zagueiro Leo do Cruzeiro não é tão somente um burocrático fim de contrato entre empregado e empregador. Também não significa apenas o encerramento de uma parceria que se fez vitoriosa nos gramados. Nem tampouco representa uma despedida a mais na Toca da Raposa. O capítulo final da trajetória do zagueiro com o clube é, acima de tudo isso, um forte elo a se romper entre o passado recente de glórias do time celeste e seu presente incerto.
Leo, ao lado do goleiro Fábio e do volante Henrique, formou um tripé que, além de simbolizar uma das gerações que mais taças levaram para a galeria do Barro Preto, personificou o torcedor em campo.
São jogadores cuja história não se eterniza somente por números – mas que é sobremaneira amparada por eles. Há entre esse tipo de atleta e a camisa que ele veste uma relação que transcende o que nós, jornalistas, conseguimos retratar quando relatamos um jogo.
E essa simbiose é cada vez mais rara, em tempos de relações tão líquidas. São conexões que não se dão por finalizadas quando o vínculo de trabalho se encerra. Elas permanecem gravadas não só na história, como também na memória afetiva de quem a testemunhou.
Talvez o peso dessa cisão não seja sentido de bate-pronto por muita gente, já que há algum tempo Leo perdeu a condição de titular da equipe e vinha duelando com uma lesão no joelho direito que o tirava de suas melhores condições físicas e técnicas. Foi até para os Estados Unidos em busca de tratamento, custeado por ele próprio.
A idade não seria empecilho, nem motivo para abreviar o ciclo, já que aos 33 anos certamente o zagueiro ainda tem muito a apresentar como jogador.
A questão aqui nem é questionar se Leo deveria ou não continuar no Cruzeiro. É mostrar como aquele Cruzeiro que se fez grande também graças a esses jogadores cada vez mais vai se tornando um retrato na parede.
Hoje, esse fio condutor com aquele time vencedor e temido pelos adversários se sustenta especialmente pelas mãos do goleiro Fábio.
Chegadas e partidas são momentos integrantes da vida, e é preciso um esforço para naturalizá-las. Só que muitas vezes demoramos a nos dar conta de tudo o que vai embora junto com os vários adeus que distribuímos por aí.
No caso de Leo, ele deixa a Raposa depois de 11 temporadas, 401 jogos e 22 gols marcados – que o colocam como o terceiro maior zagueiro-artilheiro da centenária história cruzeirense, atrás apenas de Cris (25 gols em 260 jogos) e Geraldão (30 gols em 170 jogos).
Leo fez parte da conquista de quatro troféus nacionais, sendo dois da Copa do Brasil (2017 e 2018) e dois do Campeonato Brasileiro (2013 e 2014), além de quatro Estaduais: 2011, 2014, 2018 e 2019. Quer dizer, mais do que fazer parte, foi peça essencial na maioria deles.
Acima de tudo isso, ele encarnou o espírito celeste dentro das quatro linhas. Esteve presente nos momentos de alegria e também no da maior tristeza: a queda para a Série B do Campeonato Brasileiro.
No início de 2020, mesmo tendo convites para se transferir para outros clubes, foi um dos primeiros a aceitar reduzir o salário para ajudar na reconstrução da Raposa. Sai sem ver a missão concluída e pior: com o Cruzeiro vivendo a perspectiva de mais um ano muito complicado.
Do time que ergueu a última taça de expressão do clube, a Copa do Brasil de 2018, só restam Fábio e Rafael Sobis – que deixou a Toca da Raposa em 2019 e retornou, no fim do ano passado, para a que deve ser sua última temporada como jogador.
Daquela geração, o primeiro a buscar outro rumo foi o uruguaio De Arrascaeta, contratado pelo Flamengo numa negociação atribulada, até hoje atravessada na garganta de muitos torcedores. Àquela altura, nenhum cruzeirense imaginava o que estava por vir, mas era o ponto de corte da história celeste.
Aquele Cruzeiro foi, então, se desfazendo. Rafinha, Lucas Silva, Robinho, Edilson, Thiago Neves, Egídio e Lucas Romero, entre outros, seguiram suas vidas, por motivos e em momentos diferentes.
Peça a peça, cada um com sua devida importância no quebra-cabeças. Agora, é a vez de Leo. Com ele se vão páginas heroicas e imortais que o torcedor sonha em reviver, mas sem ter muitos sinais de que será possível.
Justamente por isso, é uma despedida que diz muito.