Para muita gente, é um pecado sem chance de perdão um brasileiro falar que torce pela Argentina em qualquer parada. Da disputa de palitinho ao mais alto grau dessa rivalidade: um campo de futebol. Aí você imagina, numa final entre Brasil e Argentina, Copa América no país verde-amarelo (que, é bem verdade, já foi mais verde) e um monte de brasileiro anunciando por aí que gostaria de ver triunfo dos hermanos neste sábado à noite, no Maracanã.
Nas redes sociais, o embate está forte. Cada lado apresenta as suas razões. Os mais puristas não aceitam a ideia de torcida pela Argentina, apelando muitas vezes para o fio de patriotismo que ainda nos resta em meio a tantas mazelas.
Há quem defenda que os únicos argentinos a merecer admiração brasileira são o alfajor e a picanha – eu incluo nessa lista aí a medialuna.
Apesar do hiato de títulos, a Argentina desperta fascínio em brasileiros de todas as idades que não se curvam a essa história de rivalidade. E as questões aqui passam longe de afirmações sobre patriotismo.
Em muitos desses casos, a justificativa tem cinco letras: Messi.
É um papel típico de advogado do diabo – ou del diablo, para ficar mais adequado. Não por ter algo contra a Seleção Brasileira e seus jogadores. Há reconhecimento à qualidade acima da média do Neymar e apreço crescente por Richarlison: um jogador que tem evoluído cada vez mais em campo e, fora das quatro linhas, tem mostrado consciência social e aderido publicamente a causas admiráveis.
Mas, neste momento, os argumentos ligados a Messi são sedutores. É uma mescla entre reconhecimento pelos serviços prestados por ele ao futebol e compaixão por ver como o futebol, por vezes, maltrata o camisa 10.
Virou praticamente uma questão pessoal. A cada jogo, é Messi contra o outro lado. Messi ganha (o que ocorre pouco com a seleção do país dele) e Messi perde. Messi é eliminado mais uma vez. Messi aumenta o jejum.
Muita gente se esquece dos outros 10 que estão na equipe da Argentina. Pior: se esquecem que, nesses 28 anos de seca, centenas de jogadores vestiram a camisa albiceleste e também falharam na missão de levar a equipe a um título.
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A última conquista foi justamente a edição da Copa América de 1993, disputada no Equador. O time argentino, então comandado por Alfio Basile e que tinha jogadores do quilate de Batistuta, Simeone, Fernando Redondo, Ruggeri e Acosta, bateu o México por 2 a 1 na final e parou por aí.
De lá pra cá, os argentinos tiveram muitos outros astros, como Zanetti, Verón, Sorín, Riquelme e por aí vai. Mas recai sobre Messi a grande conta.
Tudo bem que os resultados não ajudam: desde a estreia na seleção, em 2005, o melhor que ele conseguiu foram três vices da Copa América e um da Copa do Mundo, também em solo brasileiro, em 2014.
Só que atribuir a ele todos males de quase três décadas é demais.
Atleta mais talentoso a passar pelos gramados do planeta na última década, e que tem seu lugar assegurado no olimpo dos deuses do futebol, o camisa 10 não depende de um título com a seleção para avalizar seu talento. Precisar, Messi não precisa. Mas ele merece.
Não como argentino. Como uma figura do futebol que, por acaso, é argentino. É tão somente uma condição geográfica.
Por isso, para a Argentina, o título da Copa América vai extrapolar qualquer sentido de provocação – o que aliás, ao longo dos anos, eles sempre fizeram muito bem. E certamente o farão, se conquistarem a taça.
Mas ver os hermanos campeões, dando a volta olímpica no Maracanã, seria dar a Messi o que é de Messi. A chance de finalmente tirar dele o estigma de que é jogador só de clube.
A cada competição, a gente imagina que é a última dele pela seleção. Não foram poucas as vezes em que Messi ameaçou encerrar esse ciclo, o que parece cada vez mais próximo. De toda forma, uma das maiores lendas do futebol acabou mudando de ideia e estendendo um pouco seu papel de protagonista da equipe argentina, para a sorte de todos que gostam de ver um jogo bem jogado.
Aos 34 anos, ele chega à final em grande forma, física e técnica. Marcando seus golaços. Dando passes magistrais. Jogando com aquela rara inteligência que encurta caminhos.
E é em reverência a tudo isso que há brasileiros que dizem torcer, nesta final da Copa América, pela Argentina de Messi. Se vão continuar torcendo depois que a bola começar a rolar? Só amanhã eles descobrirão.