O choro do surfista Ítalo Ferreira, com as lembranças da avó que partiu sem testemunhar a medalha de ouro olímpica no peito do neto. O choro doído da judoca Maria Portela, por ver o sonho se esvair após uma contestada atuação da arbitragem em Tóquio. O choro da alegria incontida da também judoca Mayra Aguiar, por tudo o que precisou superar para chegar ao terceiro bronze em Jogos Olímpicos – o que fez dela a primeira atleta de esporte individual do Brasil a alcançar tal feito.
Ainda: o choro de gratidão de outro judoca, Daniel Cargnin, ao homenagear a mãe depois de garantir o bronze. Ao mesmo tempo, o meu, o seu, o nosso choro ao vê-los chorar. E assim, lágrimas de cada recanto do país vão banhando a participação brasileira no Japão.
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Os brasileiros que são Messi Futebol Clube Neuer, Goretzka e Meunier se unem contra o preconceito e a Uefa O golaço que não deixaram Marcelo Moreno marcarNo fim das contas, um acaba sendo parâmetro para a existência do outro.
O esporte proporciona momentos assim. Uma sensação de empatia ao que é vivido por alguém com quem, na prática, não temos nenhuma ligação. De um completo desconhecido, o atleta vira praticamente um ente querido, por quem você se submete a ficar acordado até altas horas da madrugada para torcer por ele. E nem é torcida de ocasião não.
É um sentimento genuíno, de pertencimento. A luta dele, por alguns segundos, minutos ou dias, passa a ser a sua. A frustração dele dói em seu peito. A explosão de euforia dele arranca em você um sorriso. Uma conexão passageira, porém concreta.
Pelos motivos mais particulares, eles se emocionam no Japão e nós, a quilômetros de distância e mesmo sem saber direito o que fez brotar as lágrimas naquele atleta, choramos aqui. Muitas vezes (na maioria deles), por trás do suor para ser o "mais rápido, o mais alto e o mais forte", como rege o lema das Olimpíadas, estão superações físicas e emocionais.
A isso se soma a pandemia de COVID-19, que adicionou elementos extras na caminhada de cada um deles – e cada um de nós também. Há muito sentido em dizer que esta Olimpíada é singular em vários aspectos, mas que, sobretudo, ela é dos atletas. Deles e para eles.
Seria, portanto, injusto resumir a um só personagem a trajetória de luta que caracteriza a jornada da grande maioria. Até porque falta mais de uma semana para os Jogos terminarem e não sabemos quantas lágrimas ainda vamos derramar.
Não há como negar, no entanto, que alguns casos tocam mais fundo. Nesta quinta-feira, houve um exemplo desses. A medalha de prata de Rebeca Andrade.
Porque ela começou a ser desenhada anos antes das majestosas apresentações da ginasta brasileira nos aparelhos do Ariake Gymnastic Center.
Começa na história de vida sofrida dela, passa pela coragem da norte-americana Simone Biles, a maior ginasta do planeta, em admitir problemas em sua saúde mental e se recolher no momento em que todos os holofotes estavam voltados para ela e se encerra na grandiosidade do que é a conquista de Rebeca em termos de representatividade.
Justamente por saber de todas essas circunstâncias, Daiane dos Santos (que no início dos anos 2000 encantou o mundo com sua performance no solo ao som de Brasileirinho) não se conteve. Chorou. Desabou em lágrimas em rede nacional.
E justificou: "Até pouco tempo, os negros não podiam fazer alguns esportes. E aí a gente vê hoje a primeira medalha de uma menina negra. É uma menina que veio de origem muito humilde, criada por uma mãe solo, a dona Rosa, porque o pai da Rebeca é vivo, mas não é presente na vida dela. Aguentou tudo o que aguentou, várias lesões, para ser a segunda melhor atleta do mundo. Uma brasileira".
Quando Rebeca cravou o último movimento no solo, na exibição que lhe garantiria a medalha, cravou também ali um marco na História - essa, do h maiúsculo, que continuará a ser contada e vivida por gerações.
Por isso, é bom saber que, em um evento como os Jogos Olímpicos, há mais em todos esses choros do que a mera decepção pela derrota ou o contentamento por um lugar no pódio. E assim vamos seguindo: eles choram de lá; nós choramos daqui.