Duas manifestações que ecoaram nacionalmente. Que sintetizam perfeitamente a transitoriedade do futebol. O movimento rápido do pêndulo, a idolatrar e a achincalhar. No meio de tudo isso, um ídolo desprezado e um choque de realidade a atingir muita gente, que parecia inebriada por um ideal quase utópico de clube-empresa - incluindo os próprios investidores.
Muitos analistas esportivos (de toda parte do país) comentaram o fato como se, a partir da assinatura daquele contrato, em 18 de dezembro, todos os problemas celestes se acabassem. Como se uma nova era começasse, em que as dívidas seriam magicamente pagas, treinadores e jogadores se ofereceriam para estar na Toca simplesmente pela celestial e fenomenal presença do ex-camisa 9 à frente do projeto.
Ronaldo achava que sua ligação com o Cruzeiro o autorizava a tomar qualquer decisão, como se tivesse recebido uma carta branca que o garantiria aplausos incondicionais.
O torcedor acreditava que os destinos do clube estavam finalmente nas mãos de alguém que o trataria com o carinho de um ser amado, sem preocupações mercantilistas. A lua de mel não durou nem um mês.
O pivô - ou bode expiatório - para que a vida real se apresentasse foi o goleiro Fábio. Aos 41 anos, em plena forma técnica, segundo ele disposto a reduzir salário mais uma vez para se adequar (de novo) à realidade, o jogador que mais vezes defendeu o clube na história foi reduzido a um funcionário descartável.
À empresa, não mais interessava contar com ele. E a empresa, bradam os teóricos do assunto, trabalha com números, os frios números. Fábio, aos 41 anos, não se encaixava no perfil pretendido.
Contratar e dispensar, em um clube de futebol, não se resume a mera operação contábil. Não dá para se ver diante de um jogador do calibre e principalmente da qualidade de Fábio e simplesmente dizer: "Obrigada pelos serviços prestados e tiau".
Muito antes pelo contrário. É um atleta que justificava tudo isso em campo. Com grandes defesas. E tinha, sim, condições técnicas de permanecer no clube por mais uma temporada pelo menos, como propôs.
É quase unanimidade que faltou respeito ao jogador e sensibilidade à Cruzeiro SAF para lidar com a situação. Ao torcedor, falta entender que não existe almoço grátis no futebol, e todo endeusamento é traiçoeiro.
Por essas e outras que ainda é difícil imaginar como vai se desenhar o clube-empresa no Brasil. Já deu pra perceber que a concepção dificilmente seguirá os manuais puristas de empresas em si. Aquele que visa ao lucro e ponto final. Cujo sócio majoritário (e, portanto, o dono) tem o poder de decidir tudo sem dar satisfação a ninguém. Em que a ética e a moral se limitam às que regem acordos comerciais. Com os fins justificando todos os meios.
Quanto mais cedo quem quiser entrar nessa seara aprender isso, melhor para todas as partes.