Duas décadas se passaram desde que a Seleção Brasileira conquistou seu quinto e (até agora) último título de Copa do Mundo. Aquele time forjado no estilo passional de Luiz Felipe Scolari – com a genialidade dos Ronaldos, o jeitinho mineiro de Gilberto Silva, o carisma (e a velocidade e o fôlego) de Cafu e a seriedade dos zagueiros Roque e Lúcio, entre outros – fez, naquela Copa de 2002, os brasileiros virarem madrugadas acordados para acompanhar a caminhada rumo à taça. Àquela altura, ainda havia uma forte conexão da torcida com a camisa amarela.
Difícil cravar quando isso se perdeu. A impressão é de que essa perda de identidade se deu a partir da decepcionante campanha de 2006, na Alemanha, onde o clima de oba-oba atravessou os sonhos de um hexa considerado por muitos favas contadas.
Fato é que a magia se quebrou. Mais do que isso: hoje, os lances quase surreais protagonizados pelo Brasil naquele Mundial em solo asiático (como esquecer o gol de falta "sem querer" de Ronaldinho Gaúcho contra a Inglaterra ou a atuação de gala de Ronaldo Fenômeno na final contra os alemães, em Yokohama?) são mais do que lembranças. Viraram um marco.
Difícil cravar quando isso se perdeu. A impressão é de que essa perda de identidade se deu a partir da decepcionante campanha de 2006, na Alemanha, onde o clima de oba-oba atravessou os sonhos de um hexa considerado por muitos favas contadas.
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São jovens que ao longo da vida usaram e colecionaram mais camisas de clubes europeus do que o uniforme do time brasileiro. Talvez nem seja culpa (só) deles essa falta de interesse. O vínculo não foi alimentado da forma como ocorria com gerações passadas.
São jovens que ao longo da vida usaram e colecionaram mais camisas de clubes europeus do que o uniforme do time brasileiro. Talvez nem seja culpa (só) deles essa falta de interesse. O vínculo não foi alimentado da forma como ocorria com gerações passadas.
Sem contar que eles pegaram uma sucessão de frustrações. Promessas de craques que não vingaram. Craques de verdade travando uma luta inglória contra si mesmos.
De 2002 pra cá, não deu liga. Por isso, são vários os fatores ajudam a explicar essa cisão.
De 2002 pra cá, não deu liga. Por isso, são vários os fatores ajudam a explicar essa cisão.
O jejum atual só não é maior que os 24 anos que separaram o tri (de 1970) do tetra (1994). Há, no entanto, uma diferença pontual: naquela era pré-digital, a Seleção Brasileira ainda era a grande atração do país. Todo mundo parava para ver.
No período pós-conquista no México até a redenção da geração de Romário, Bebeto, Taffarel e companhia ainda houve o encantador Brasil de Telê, nos anos 1980. Ali, as derrotas doíam na alma. As quedas nas Copas de 1982 e 1986 estão possivelmente entre as mais traumáticas no coração de quem vivenciou aqueles momentos. A tal da conexão existia.
No período pós-conquista no México até a redenção da geração de Romário, Bebeto, Taffarel e companhia ainda houve o encantador Brasil de Telê, nos anos 1980. Ali, as derrotas doíam na alma. As quedas nas Copas de 1982 e 1986 estão possivelmente entre as mais traumáticas no coração de quem vivenciou aqueles momentos. A tal da conexão existia.
Já as últimas eliminações em Mundial carregaram um certo tom de pragmatismo, quase uma indiferença disfarçada de conformismo. Imperou a tese de que perder faz parte. Realmente, faz. Mas, num esporte como o futebol, perder a paixão é quase decretar o fim da linha. Sem ela nada resta, torcedor vira telespectador. Mera estatística.
Não seria justo colocar apenas sobre os ombros de Tite e de seus comandados todo esse resgate histórico. Afinal, é um fardo de anos. Por outro lado, é natural que esteja nos pés deles a chance de mudar essa concepção pós-moderna, recuperar pelo menos um pouco da conjunção que havia entre time e torcedores.
A Copa do Catar será o limiar entre o tal marco temporal do jejum. Se mais uma vez a taça escapar, novamente a Seleção completará um ciclo de 24 anos sem conquistar a principal competição do planeta. Mas se o troféu vier, pode ser o ponto de uma nova virada. A esperada reconexão.
Não que a expectativa esteja muita alta ou o otimismo aponte para o êxito no Catar. Contudo, não há como negar que está com os "perninhas rápidas" de Tite – definição que o próprio treinador deu para seus jogadores, que imprimem velocidade ao jogo brasileiro – a possibilidade de reeditar a alegria que a Família Scolari deu ao país e apresentar a muita gente o sentimento de ser campeão do mundo.