Esta crônica é um agradecimento a uma das mulheres mais inspiradoras que o esporte brasileiro - e mundial - já teve. Uma mulher que levantou a bandeira feminista com tamanha força e de formas tão diversas, tão intuitiva, que talvez não tivesse consciência do impacto que teve na vida de tantas de nós. Maria Isabel Barroso Salgado Alencar foi mãe de cinco e voz de milhares. Mais do que atleta e treinadora de vôlei, uma cidadã que deixou inúmeros legados, dentro e fora das quadras.
Quem escreve esta crônica é uma fã de Isabel. Indiretamente, ela é uma das responsáveis por estas linhas. Isabel foi uma das mais fortes influências da minha infância, alguém que ajudou a direcionar meu olhar para o esporte. O vôlei foi o primeiro amor, e aquela geração da década de 1980 (que tinha ainda outros ícones como Vera Mossa e Jaqueline) despertou um sonho. Aos 12, 13 anos, esta jornalista queria ser uma delas.
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Roger Federer é mais do que as impressionantes marcas de sua carreiraAssédio a repórter da ESPN em Flamengo x Vélez, vergonha nacionalCBF acerta ao determinar punição a racismo em estádios no BrasilDe Pelé a Maradona e Senna: um ensaio sobre o adeus aos ídolos do esporteAlemanha cai, de novo, na primeira fase da Copa: a praga brasileira pegouGolaço e simpatia: Richarlison é o Brasil que a gente queria de voltaAté que veio o primeiro teste de verdade, sob o olhar de um treinador de base do Minas Tênis. Ele elogiou a desenvoltura, a técnica... Mas a estatura, que então mal passara do 1,60m, fechou as portas.
O amor pelo esporte continuou, dividido por outras modalidades, e a maneira que aquela adolescente encontrou para continuar a nutri-lo vida afora foi pelo jornalismo. Não admitia outro caminho: queria escrever, falar, vivenciar o esporte e seus ídolos. E assim o destino se cumpriu, até chegarmos a esta coluna.
O amor pelo esporte continuou, dividido por outras modalidades, e a maneira que aquela adolescente encontrou para continuar a nutri-lo vida afora foi pelo jornalismo. Não admitia outro caminho: queria escrever, falar, vivenciar o esporte e seus ídolos. E assim o destino se cumpriu, até chegarmos a esta coluna.
Nesse enredo há inúmeras imagens e declarações de Isabel. Um grito de independência feminina vista desde a gravidez que ela viveu nas quadras. Até hoje, cena muito, muito rara: de barrigão, lá estava Isabel, fazendo o que sabia e gostava, na maior naturalidade. Sem medos. E chocando quem achava que lugar de mulher - ainda mais 'prenha' - era dentro de casa. Foi, e continua sendo, um marco de empoderamento.
Isabel foi vanguardista na essência. Primeira jogadora de vôlei brasileira a se aventurar no exterior, aos 20 anos foi jogar na Itália, onde recebeu salário pela primeira vez como atleta. No início dos anos 1990, foi pioneira no vôlei de praia.
Ainda trabalhou como treinadora, de quadra e praia, função que raramente é exercida por mulheres, inclusive no comando de equipes femininas. Algo em que ainda precisamos evoluir.
Ainda trabalhou como treinadora, de quadra e praia, função que raramente é exercida por mulheres, inclusive no comando de equipes femininas. Algo em que ainda precisamos evoluir.
Ela rompia barreiras. Lutava pelos direitos de todas. Batia de frente com quem estava em cargos de chefia - geralmente (ainda hoje) homens. Foi chamada, por isso, de indisciplinada, rebelde. Afinal, ela se atrevia a questionar, exigir condições melhores de trabalho.
Posicionava-se politicamente sobre assuntos dos mais simples aos mais complexos com argumentos, conhecimento. Combatia a ignorância com firmeza e elegância. Recentemente, encabeçou o movimento Esporte pela Democracia, ao lado de nomes como Ana Moser e Casagrande, entre outros.
Posicionava-se politicamente sobre assuntos dos mais simples aos mais complexos com argumentos, conhecimento. Combatia a ignorância com firmeza e elegância. Recentemente, encabeçou o movimento Esporte pela Democracia, ao lado de nomes como Ana Moser e Casagrande, entre outros.
Em setembro de 2020, publicou uma carta aberta em que expressava indignação com o tratamento ao setor cultural do Brasil no governo Bolsonaro.
"Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa. Ela só existe se for plural, em todas as formas de expressão. Por meio dela, formamos a nossa identidade. Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos. Não aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Vocês estão ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro", escreveu em um dos trechos.
"Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa. Ela só existe se for plural, em todas as formas de expressão. Por meio dela, formamos a nossa identidade. Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos. Não aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Vocês estão ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro", escreveu em um dos trechos.
O velho machismo a elevou ao posto de musa. Ora, Isabel era muito mais do que a palavra musa tem de significado para quem a rotulou assim. Era uma mulher de fibra, à frente do seu tempo, que ainda tinha muitas causas a defender, muitos exemplos a nos dar.
Isabel morreu, repentinamente, em 16 de novembro de 2022. Deixou uma legião de fãs, como eu, tristes. Mas também nos deixou como herança que é preciso lutar, incessantemente, pelos ideais que acreditamos. Por tudo isso, obrigada, Isabel.
Isabel morreu, repentinamente, em 16 de novembro de 2022. Deixou uma legião de fãs, como eu, tristes. Mas também nos deixou como herança que é preciso lutar, incessantemente, pelos ideais que acreditamos. Por tudo isso, obrigada, Isabel.