Jornal Estado de Minas

TIRO LIVRE

O universo paralelo dos jogadores de futebol

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis

O futebol catapulta à condição de ídolo jogadores e, na esteira da fama, do estrelato e do dinheiro vem a admiração. Viram espelho para milhares, milhões de pessoas pelo mundo. Alimentam sonhos de crianças, de toda classe social, raça, gênero. Tornam-se exemplo. Aí, esses atletas, tão exaltados pelo que fazem nos gramados, pisam na bola fora dos campos. Condutas não só imorais, como ilegais em alguns casos.




 
E o que se segue é talvez um dos capítulos mais tristes dessa relação torcedor - ídolo: um universo paralelo, com salvaguardas aparentemente só permitidas a eles.

Nesta semana, três casos de jogadores/ex-jogadores brasileiros mostram quão importante é o discernimento sobre o que é certo e errado. O que é aceitável e o que é inaceitável. E como a imagem do cidadão precisa ser dissociada da do jogador. Como a idolatria os reveste de uma aura especial, em que todos os erros são compreendidos ou até perdoados.

Preso na Espanha, no aguardo de julgamento de acusação de estupro, Daniel Alves concedeu a primeira entrevista na penitenciária. Falou ao jornal "La Vanguardia" sobre os dias na cadeia.

Uma declaração particularmente chama a atenção: "Estou com a consciência tranquila. Eu nunca machuquei ninguém intencionalmente. E nem ela naquela noite. Não sei se ela está com a consciência tranquila, se dorme bem à noite. Eu a perdoo, ainda não sei por que ela fez tudo isso, mas eu a perdoo".
 
Daniel Alves está preso desde 20 de janeiro. À Justiça espanhola, deu cinco versões diferentes sobre o ocorrido na noite de 31 de dezembro de 2022, em que foi acusado de estupro. Foi desde nunca ter tocado na mulher a admitir relação, mas com uma série de contradições.



Mesmo com a informação de que exame de DNA comprovava a presença do sêmen dele na mulher e de evidências de violência, ainda hoje nega o sexo forçado. E fala em perdão.
 
Em outro caso, áudios inéditos de Robinho, utilizados pela Justiça italiana na condenação a nove anos prisão por estupro em uma boate em Milão, em 2013, e divulgados pelo "Uol", mostram o deboche do jogador com a acusação e a certeza da impunidade. 
 
"Como não tinha câmera, vai ficar embaçado pra 'mina' provar que estupraram ela se ela não tiver grávida", disse Robinho a um amigo.

Teve até ameaça de agressão, nas conversas gravadas. "A mina sabe que tu não fez porra nenhuma com ela, ela é idiota? A gente vai dar um soco na cara dela. Tu vai dar um murro na cara, vai falar: 'Porra, que que eu fiz contigo?", afirmou Robinho em outro trecho do áudio. 
 
Robinho foi julgado e condenado em última instância. Entregou o passaporte e está proibido de deixar o Brasil. Continua em liberdade porque o país não extradita seus cidadãos. Robinho nega as acusações e tem milhares a defendê-lo e a descredibilizar a vítima.





Fora da instância criminal, mas dentro dessa seara de idolatria, nesta semana viralizou nas redes um pedido de desculpas público de Neymar por ter traído a namorada grávida no Dia dos Namorados.

Segundo ele, a namorada traída viveu uma "exposição desnecessária", tendo sua intimidade "atingida em um momento tão especial que é a maternidade". Exposição desnecessária foi um termo bem representativo. Preste atenção nele. O foco sai da traição e vai para a visibilidade. 
 
O post na rede social em que Neymar "reconhecia o erro" teve centenas declarações do tipo "o amor venceu" a elogios à carta aberta do jogador. Neymar foi exaltado pelo séquito, que considerou a atitude nobre. De celebridades a anônimos, se multiplicaram palavras de apoio ao camisa 10 do Paris Saint-Germain. "Deus é contigo, irmão", escreveu um dos seguidores. 
 
Nesse universo paralelo, funciona assim. Até quando erram, são aplaudidos. É como se eles tivessem atenuantes que os blindassem de qualquer mancha na imagem. Ainda que façam algo totalmente condenável, são defendidos, elogiados até. A idolatria vira escudo. 

Sem a conscientização desse cenário, sem um olhar crítico sobre ele, situações como abusos, agressões e violência serão cada vez mais normalizadas, romantizadas. E tristes relatos como esses continuarão, sem que as novas gerações entendam a real dimensão do que carregam como espelho.