“A Velma é lésbica?” Essa pergunta, que parece uma fofoca sobre a vida alheia, me foi feita neste final de semana. A Velma em questão não é uma vizinha ou parente, mas a personagem da franquia de desenhos animados e filmes Scooby-Doo.
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Sexualidade lésbica de Velma é confirmada em nova animação de Scooby-DooExposição apresenta memória LGBTQIA+ do Brasil Colônia até os dias atuaisBH inaugura primeira casa de acolhimento LGBTQIAPN+O que ESG tem a ver com diversidade e inclusão? Carnaval com respeito para todas, todos e todes!Whitney Houston, Robyn Crawford e as relações interrompidas por preconceitoO que faz um analista de diversidade e inclusão?Velma, que sempre foi apresentada como uma inteligente garota branca e compulsoriamente heterossexual, agora é uma menina com descendência indiana que logo nos primeiros episódios da história deixa evidente o seu interesse por outras garotas.
E tem mais representatividade na série: Salsicha é um rapaz negro, Daphne tem origem asiática e duas mães, enquanto Fred continua rico, branco e loiro. “Mas mudaram tudo para lacrar”, já reclamam comentaristas de fóruns de internet. Na verdade, não mudaram tanto assim. Velma continua sendo a garota nerd da turma que, com sua destacada perspicácia, consegue entender pistas e desvendar mistérios.
Era isso o que mais importava sobre a personagem, características que quem acompanhou algum desenho ou filme da franquia continuará encontrando na nova série. Os outros personagens também mantêm suas personalidades, obviamente agora tratando de novos temas e com outra linguagem, já que é uma série para adultos.
As questões raciais e sobre a orientação afetivo-sexual de Velma e seus amigos nunca foram objeto central da narrativa. Alterar características como essas para trazer mais representatividade só pode ter efeito benéfico, além de tornar a série mais semelhante ao mundo real, que é diverso.
Essas reclamações que surgem quando há um movimento por mais representatividade no audiovisual lembram o caso da Pequena Sereia da Disney, agora uma sereia negra interpretada por Halle Bailey, o que gerou uma série de comentários racistas, de pessoas clamando por ver apenas suas sereias eternamente brancas.
Mas, afinal, se sereias sequer existem, por que não poderiam ser imaginadas como pessoas negras? Por que apenas pessoas brancas caberiam nesse imaginário coletivo? E voltando à Velma, por que nosso imaginário poderia apenas conceber a ideia de personagens fictícios heterossexuais?
Velma é resultado de um movimento que tem sido feito nos últimos anos. A lista de personagens que se assumiram LGBTQIAP+ tem crescido e isso é muito relevante. She-ra (Netflix) constrói uma relação com outra personagem feminina, o que culmina em um beijo.
Teela, personagem do universo de He-Men, tem um relacionamento com outra mulher na série animada Masters of the Universe: Revelation (Netflix). Phastos, do filme Eternos (Disney ), é um super-herói gay e a cena de beijo com outro homem fez o filme até ser proibido em alguns países.
Batwoman (HBO Max) é lésbica. Nos quadrinhos, alguns X-Men agora são pessoas LGBTQIAP nas edições mais recentes, como o Homem de Gelo, Kitty Pryde e Estrela Polar. E até os remakes de novelas da Globo tem revisitado as histórias para trazer mais representatividade e discussões sobre pessoas LGBTQIAP , modernizando e corrigindo ao menos parcialmente a falta de representatividade das primeiras versões das novelas.
Referências LGBTQIAP importam
Uma questão que gera polêmica nas novas versões desses personagens é a idade das crianças que podem vir a assistir ou ler esses conteúdos. Se esse é um ponto, temos então ainda mais motivos para evoluir ao tratar o assunto por meio desses e mais personagens. A sociedade tem crianças que se identificam como LGBTQIAP desde muito cedo e não adianta nada negar isso, simplesmente porque essa é a realidade e negacionismo não muda em nada os fatos.
Eu, por experiência própria, posso afirmar a existência dessas crianças. Desde os primeiros anos escolares eu já me entendia como um garotinho gay e avaliei que seria mais seguro esconder esse fato de todas as pessoas, forjando paixões por garotas da escola, quando na verdade era apenas a maneira como aprendi a me defender do preconceito que eu sabia que sofreria. Quanto peso para uma criança, não é mesmo?
Que diferença teria feito na minha vida e nas vidas de outras milhões de pessoas LGBTQIAP (sim, somos milhões) se desde crianças o conteúdo que consumimos mostrasse que é normal ser como somos, que está tudo bem. Quanta coragem e orgulho essa representatividade poderia trazer? O quanto isso poderia facilitar as relações familiares, pois as mães, os pais, responsáveis e cuidadores dessas crianças, consumindo esses conteúdos com elas, poderiam aprender muito também e criar espaços mais seguros e saudáveis para elas, inclusive dentro de casa.
Entretenimento, arte e cultura também educam e informam crianças, jovens e adultos. Também ajudam a quebrar tabus e abrem espaços para importantes conversas. Quem sabe essa repaginada nos personagens seja um passo a mais para criar condições para um diálogo franco em casa e para que pessoas LGBTQIAP de todas as idades possam ter mais abertura em seus espaços de convivência para serem quem são e não precisarem se esconder nesse lugar tão incomodo que é o armário.
Agenda Queer
Teatro
A peça “Certos Rapazes, o nosso amor a gente inventa” está em cartaz na 48ª Campanha de Popularização Teatro & Dança e aborda a relação de Guilherme, para quem ser assumidamente gay é algo libertador, e Pedro Henrique, que não pensa em assumir publicamente a sua homossexualidade.
20 a 22 jan | Sex e Sáb: 21h, Dom: 19h30
Teatro Nossa Sra. das Dores.
Cinema
Está em cartaz em diversas salas de cinema a cinebiografia I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston, que aborda a carreira e vida pessoal da cantora, inclusive a sua bissexualidade, retratada no filme a partir do namoro vivido pela artista com a sua assistente Robyn Crawford.
Dicas de rolê
O bloco Truck do Desejo tem ensaio de carnaval marcado para o próximo domingo, dia 22, a partir das 9h30, na Apoema. Rua Artur de Sá, 380, União.
A @bsurda faz seu pré-carnaval no dia 27 de janeiro, a partir das 22h, na Autêntica. Rua Álvares Maciel, 312 - Santa Efigênia.