Jorge pra Sempre Verão, em cartaz no CCBB, traz uma discussão contemporânea sobre LGBTI+fobia e racismo, em uma narrativa fictícia permeada de fatos verídicos da trajetória de Jorge Lafond (1952-2003). Lafond, famoso por interpretar Vera Verão, dizia que ela não era uma personagem, mas uma entidade, um presente de sua espiritualidade que ele levou para a televisão.
Lafond era um homem negro retinto, gay afeminado, com mais de dois metros de altura, que atuava como Vera na televisão brasileira. Vera Verão era sinônimo de alegria, mas também de vergonha e xingamento. Lafond mostrava exatamente o que é ser uma pessoa LGBTI no Brasil do preconceito recreativo: era considerado divertido, convidado para diversos programas de auditório para que rissem dele e com ele, mas ninguém quer que o seu filho seja assim, ninguém quer ser comparado com ele, nenhum homem com quem se relacionava queria assumir um compromisso publicamente com ele e seu nome ainda era sinônimo de ofensa. “Na TV pode, na vida, não!”, reflete Lafond em uma cena do espetáculo.
Lafond dizia ter consciência de ser gay desde os seis anos de idade, mas por ser algo considerado ‘muito feio’ à época, fez de tudo para que seus pais não descobrissem. Venceu a vergonha, se assumiu LGBTI e, inteligente, construiu uma carreira e seu sustento em cima do preconceito e ignorância alheios.
Representatividade
Lafond deu coragem a muita gente que o assistia. Nós, pessoas LGBTI, precisamos de referências para saber que na vida podemos, sim, ser quem nós somos. Quantas pessoas devem ter sentido que não estavam sozinhas quando viram Lafond na TV? Em uma sociedade que nos faz ter vergonha, precisamos de referências para saber que podemos ter orgulho.
Quem foi a sua Vera Verão no ambiente de trabalho, na escola e na família? Quem foram as pessoas LGBTI que desafiavam os padrões e estereótipos e te fizeram entender mais sobre o quão plurais nós somos? Quem foi o exemplo que te encorajou?
Eu tive o Antonio na escola. Silenciosamente, eu me alegrava e me tranquilizava ao vê-lo dançando "É o Tcham" e "Spice Girls" com as meninas e perceber que ele era muito querido por todos, mesmo ainda sendo alvo de piadas (o que me fazia manter o medo). Tive o Marcel no trabalho, que foi a primeira pessoa que eu vi participando de papos de corredor, falando abertamente sobre sua vida pessoal e relacionamentos, junto com as pessoas heterossexuais que faziam o mesmo. Eu não tinha nem coragem de falar para eles que seus exemplos eram importantes para mim, mas foram bastante. Ajudaram a construir a boa autoestima que tenho hoje. Na família, acho que essa pessoa sou eu mesmo, já que fui o primeiro a me assumir, o que tenho certeza que facilitou a vida das pessoas mais novas que eu, que agora tem um caminho menos difícil.
LGBTIfobia recreativa
“Tangencial a isso, Silvio de Almeida conceituou o Racismo Recreativo. Fazendo uma livre ressignificação do termo, enxergar Jorge como o gay divertido nos mostra uma homofobia recreativa. Sempre foi aceito rir dos gays, tê-los como amigos apenas para os momentos de risada, mas nunca para ouvir suas dores. Jorge já trazia em si muitas dores e estereótipos. Era o negão lindo e hiperssexualizado, e, ao mesmo tempo, chamar alguém de Jorge Lafond ou Vera Verão era ofender a pessoa por ela ser afeminada”, explica Aline Mohamad, prima mais jovem de Lafond que, após o rejeitar enquanto era vivo, entendeu o preconceito estrutural que a levou a ter esse comportamento. Na arte, descobriu uma maneira de encontrar seu primo e pedir perdão.
Vera Verão é um ícone que representa o empoderamento do adjetivo “viado”. É um símbolo de como funciona a LGBTIfobia recreativa e da estratégia dos grupos minorizados de tomar para si os termos pejorativos e xingametos para transformá-los em palavras de orgulho, tirando o poder do discurso dos preconceituosos. Com esse olhar para a vida e carreira, Lafond foi ator, repórter, escritor e até rainha de bateria!
A montagem tem direção de Rodrigo França, com atuação de Alexandre Mitre, Aretha Sadick e Érika Marinho. Está em cartaz no CCBB até o dia 31, de quinta a segunda, sempre às 20h30. No dia 29, haverá apresentação com interpretação em Libras. Os ingressos custam R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia). Pessoas trans e travestis podem entrar em contato com a produção, via redes sociais do espetáculo, e ter gratuidade na entrada.
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