Jornal Estado de Minas

MODA E LIBERDADE

Em reconciliação com o universo da moda por causa de mulheres como Mama Cax

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Descobri esses dias, por causa de uma homenagem feita pelo Google, em sua página inicial, a existência da modelo Mama Cax. Mulher negra, com deficiência, haitiana-americana, que tornou-se referência de ativismo no mundo da moda.





A verdade é que nunca fui uma pessoa muito ligada à moda — em partes por visualizar a moda e beleza enquanto construções do patriarcado para impedir que as mulheres conquistassem outros lugares no mundo, assim como os afazeres domésticos.

Basicamente, por algum tempo (e mesmo sem ter tanta consciência disso), a moda e o universo da beleza tornaram-se algo que não merecia minha atenção. Um desejo enorme de ir contra ao que gostariam que as mulheres fossem. Um ato de revolta adolescente.

"Roupas? Prefiro ler livros. Maquiagem? Acho que existem formas melhores de usar o tempo." E foi com esse tipo de pensamento que tive dois grandes prejuízos: 1. não saber me maquiar; 2. acreditar, mesmo que por um curto espaço de tempo, que existem conhecimentos ou habilidades superiores às quais as mulheres devem se dedicar.





Por sorte, existe o fim da adolescência. O amadurecimento. O feminismo e as feministas.

Dito isso, recentemente, nessa jornada de autoconhecimento, eu descobri também outro fator que me colocou tão distante da moda: esse universo nunca pareceu que tinha espaço para mim, uma mulher com deficiência.

No dia a dia, fechar qualquer acessório, seja pulseiras ou colares, parece uma prova de resistência do BBB para mim. Botões nos pulsos? Melhor deixar aberto e fingir que sou descolada. Zíperes atrás das saias? Sinceramente, nenhuma mulher consegue fechar, mesmo com dez dedos compridos (não é o meu caso, afinal tenho os cinco dedos da mão direita bem curtinhos por causa da deficiência).

Eu não tinha o direito de ser uma criança ou adolescente que gostava do mundo da moda. Porque a moda não era um mundo que gostava de pessoas como eu*.

A Barbie, por exemplo, que é o primeiro contato dos padrões impostos às mulheres em termos de aparência física, teve sua primeira versão com deficiência apenas em 2019. Lembrando que antes disso, em 2016, a Mattel lançou uma versão da boneca inspirada na Frida Kahlo, mas nenhum detalhe indicava a deficiência da famosa pintora mexicana.





Sim, Frida Kahlo era uma mulher com deficiência. Mas esquecem disso regularmente, pois a deficiência, aparentemente, não é um atrativo ao construir ícones para gerações atuais. Vale lembrar que Frida também foi uma mulher que mesclou moda e arte na construção de sua personalidade.

Às mulheres da moda

Por sorte, existem mulheres que estão lutando para tornar a moda e a beleza um movimento de liberdade, e não mais um aprisionamento. Aqui estão alguns exemplos:

A minha mais recente descoberta, Mama Cax, que há quatros anos ocupou as passarelas na Semana de Moda de Nova York. E ocupou inteiramente: com suas próteses estilizadas por expressões artísticas.

Lorenna Costa, minha prima-irmã e designer de Moda, que durante todo o período da faculdade preocupou-se em construir uma moda que fosse mais acessível e inclusiva para pessoas como eu*.

Aline Calamita, consultora de estilo, que é uma web-conhecida de conhecidos e talvez nem saiba o quanto eu a acompanho, mas traz reflexões constantes para o meu dia a dia sobre a imagem que quero apresentar e como posso fazer isso em sintonia com minha vida.





Lela Brandão, influenciadora e empreendedora, que possui uma marca de roupas confortáveis e que espalha brilhantemente por aí a mensagem “uma mulher confortável em si é uma revolução”.

Maju de Araújo, modelo brasileira com Síndrome de Down e destaque da Forbes Under 30, que ocupa as passarelas do mundo e cria conteúdos incríveis para quem quer explorar melhor os looks ou pelo menos sentir-se modelo por um dia testando dicas de poses para fotos.

Rihanna, artista e empresária, que desafiou a mentalidade Victoria Secrets de sensualidade feminina e, através da Savage X Fenty, têm mostrado ao mundo que todos os corpos podem (e merecem) se sentir sexies usando lingeries.





Em reconciliação

Eu e a Moda ainda não somos melhores amigas, mas estou aprendendo a recriar essa relação. Tudo isso graças às mulheres que tomaram para si o poder de usar este universo ao nosso favor, e não como um limitador.

Espero que as crianças com deficiência de hoje não precisem de uma jornada de 26 anos para fazer as pazes com algo tão crucial no desenvolvimento da identidade.

Por fim, espero que os profissionais do universo da Moda sejam capazes de facilitar esse caminho para todas as pessoas, e especialmente para todas as mulheres com deficiência. 

Não cabe mais um mundo em que a moda seja sinônimo de restrição. Moda precisa ser liberdade.

*Nota de rodapé: Recentemente, o cantor Harry Styles usou a frase “pessoas como eu” ao ganhar o álbum do ano no Grammy, e esse é um parênteses sobre quando usar a expressão. Dica: não usar quando você é um homem inglês cis branco, e não enfrenta qualquer tipo de discriminação ao existir.