Uma das diferenças entre as operações Mãos Limpas, na Itália, e a Lava-Jato, aqui no Brasil, é o fato de que a investigação das relações entre os políticos daquele país com a máfia foi marcada por atentados a bomba, assassinatos de juízes e suicídios de envolvidos. O saldo é impressionante: 4.525 prisões, 1.069 políticos investigados, 1.300 condenações e acordos judiciais, 430 absolvições, 31 suicídios. Dois juízes, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, que tinha ligações com políticos envolvidos no escândalo, foram assassinados pela máfia. Era de 5 bilhões de euros por ano o custo da corrupção na Itália, o que implodiu o sistema partidário italiano.
No Brasil, não houve atentados, assassinatos nem suicídios. A morte de Henrique Valladares, ex-vice-presidente da Odebrecht, e um dos principais delatores da operação Lava-Jato, encontrado morto ontem no seu apartamento no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, segundo a Polícia Civil, teve causa indeterminada. Valladares foi um dos responsáveis pela delação de Aécio Neves (PSDB) e do ex-senador e ex-ministro Edison Lobão (MDB).
Os envolvidos na Operação Lava-Jato, em sua maioria, pertencem à elite política, burocrática e empresarial do país. A maioria dos que fizeram "delação premiada” já está em casa com tornozeleira eletrônica; os que não fizeram, "puxam” cadeia prestando serviços de acordo com suas competências: fazem resenhas de livros, prestam serviços profissionais e cuidam da limpeza das celas, para melhorar a qualidade de suas condições carcerárias e conseguir a progressão das penas.
Delatores e delatados convivem pacificamente, enquanto aguardam a redução de suas penas. Não existe “omertà”, termo napolitano do código de honra e silêncio da máfia italiana. Acompanham com atenção a “guerra de posições” entre "lava-jatistas” e “garantistas" no Supremo Tribunal Federal (STF) e a disputa que se instalou no Ministério Público Federal (MPF), a partir da sucessão da ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, cujo mandato acabou na terça-feira.
Ontem, no primeiro dia de seu mandato tampão, o vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), Alcides Martins, que assumiu, interinamente, a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), “em nome da continuidade", anunciou o retorno dos integrantes do grupo de trabalho da Lava-Jato na PGR que haviam deixados seus postos na reta final do mandato de Raquel Dodge, por discordarem da forma como ela conduzia a operação. Dos seis integrantes, cinco voltaram o cargo. A decisão é uma saia justa para o futuro procurador -geral, Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo nome está sendo submetido à aprovação do Senado.
Valeixo fica
Aras esteve ontem com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL), um dos mais duros críticos da Lava-Jato no Congresso. Saiu do encontro anunciando que pretende estender a Operação Lava-Jato para outros estados. A decisão permite duas leituras: uma é a continuidade da operação; outra, o enfraquecimento da força-tarefa de Curitiba, que concentrava as investigações. Aras, que negocia apoios no Senado para aprovação de seu nome, tinha o terreno livre para nomear o grupo que vai comandar a Lava-Jato em nível nacional, agora, não tem mais. Qualquer mudança na força-tarefa será um grande desgaste.
Outra novidade é a permanência do diretor-geral da Polícia Federal no cargo. O delegado Maurício Valeixo, que volta de férias hoje, esteve com a cabeça a prêmio por causa de um desentendimento entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o presidente Jair Bolsonaro. A saída de Valeixo era dada como certa após o presidente da República ter declarado, no mês passado, que poderia trocar a direção do órgão.
O motivo da irritação do presidente da República foi a indicação, por Valeixo, do delegado Alexandre Saraiva, para a superintendência do Rio de Janeiro, no lugar do delegado Ricardo Saadi. Bolsonaro chegou a dizer que havia determinado a saída de Saadi por "questão de produtividade". Foi desmentido pelo diretor-geral, em nota da PF, que justificou a troca como uma decisão previamente planejada e não uma decorrência do trabalho do delegado.
Moro manteve Valeixo, ex-integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Resistiu ao processo de fritura ao qual foi submetido por Bolsonaro desde o episódio da liminar concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, à defesa do seu filho, senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), na qual sustou todas as investigações feitas pela Polícia Federal com base nos dados da Comissão de Controle de Operações Financeiras (Coaf) obtidos sem autorização judicial.
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