O presidente Jair Bolsonaro decidiu deixar o PSL e liderar uma debandada na legenda com um argumento que pode precipitar o troca-troca generalizado de partidos no Congresso, principalmente na Câmara: falta de transparência na gestão das contas partidárias. A tese foi defendida ontem pelo ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga, uma espécie de conselheiro jurídico eleitoral do presidente da República, com deputados da legenda e sua advogada, Karina Kufa.
O encontro praticamente consolidou a ruptura com o presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), que admitiu o afastamento de Bolsonaro da legenda e disse que não sabe o que se passa na cabeça do presidente da República. “O que pretendemos é viabilizar o país. Não vai alterar nada se Bolsonaro sair, seguiremos apoiando medidas fundamentais. A declaração de ontem foi terminal, ele disse que está afastado. Não estamos em grêmio estudantil. Ele pode levar tudo do partido, só não pode levar a dignidade, o sentimento liberal que temos e o compromisso com o combate à corrupção", arrematou Bivar.
A corda arrebentou na terça-feira, quando Bolsonaro disse a um apoiador que se apresentava como pré-candidato do PSL no Recife (PE) que Bivar estava “queimado” e que era melhor ele “esquecer o PSL”. Diante da situação, cresceram os rumores no Congresso de que Bolsonaro deixaria a legenda, o que foi praticamente confirmado ontem à tarde, depois da reunião do presidente da República com deputados aliados, o ex-ministro do TSE e a advogada.
Karina Kufa, na saída do encontro, disse que o principal problema era a transparência em relação ao fundo partidário e ao fundo eleitoral. “A gente tem diversos deputados que não têm informação nenhuma, não têm acesso às contas. E é isso que foi pleiteado. Se tem um partido, o partido é de todos, e os deputados têm que ter acesso. Não se pode ter votações sem qualquer participação dos próprios parlamentares”, disse.
Recurso público
O ex-ministro Gonzaga corroborou esse diagnóstico e avançou uma tese jurídica segundo a qual os parlamentares da legenda poderão deixar o PFL fora da janela de transparência partidária por justa causa. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral reconhece como justa causa o descumprimento do manifesto do partido reiterado, questões de ordem pessoais, algum tipo de perseguição, como retirar deputados de comissões, ameaças de expulsão. “Justa causa você tem quando não tem transparência com os recursos do fundo partidário, que é recurso público, que é entregue ao partido em face dos votos dedicados aos parlamentares pelos eleitores do Brasil”, afirmou Gonzaga.
O discurso de saída de Bolsonaro já está praticamente pronto, de certa forma foi verbalizado nesta declaração do ex-ministro: “A única coisa que ele [Bolsonaro] tem, em mente, é a transparência do ambiente onde ele está convivendo. Então, como isso não foi permitido no ambiente em que ele se encontra, ele, como tem a bandeira da nova política, da transparência com o dinheiro público, ele não está confortável no ambiente em que se encontra.”
A tese, porém, é música aos ouvidos dos parlamentares insatisfeitos de todos os partidos, porque a gestão dos recursos partidários na maioria dos países é uma caixa-preta, que somente é aberta nas prestações de contas anuais, ou seja, depois que os gastos foram efetuados. Na prática, os recursos são utilizados como um instrumento a mais de controle das legendas pelos chamados “donos” de partido, que distribuem os recursos partidários segundo seus objetivos políticos e eleitorais. Muitas vezes, as filiações partidárias são casadas com algum pacto financeiro, porque é o momento no qual os deputados têm mais poder de barganha junto aos chefes políticos.
Quando havia financiamento privado de pessoas jurídicas nas campanhas, era mais fácil administrar as tensões partidárias, porque os candidatos tinham o seu próprio esquema de arrecadação de recursos, às vezes associado a práticas pouco republicanas, como ficou demonstrado, por exemplo, na delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht, que revelou o caixa dois da empresa, chamado de “operações estruturadas". No jargão eleitoral, “estrutura” era o esquema de financiamento de campanha. Bons parlamentares deixaram de concorrer por “falta de estrutura”. O fim do financiamento das empresas e a criação do fundo eleitoral, porém, exacerbaram as contradições internas dos partidos quanto a isso.