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Negação à COVID-19 é derrotada no Reino Unido, mas ainda resiste no Brasil

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A primeira pessoa vacinada contra a COVID-19 no Ocidente foi uma senhora de 90 anos; por ironia, a segunda pessoa, um homem de 81 anos, homônimo do dramaturgo inglês William Shakespeare, para quem era uma infelicidade da época, que “os doidos governassem os cegos”.



O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, porém, só tem cara de doido. Quis o destino que seu negacionismo em relação ao novo coronavírus e à qualidade do sistema de saúde pública britânico durasse apenas o tempo suficiente para que fosse alcançado pelo vírus.

A dura realidade da doença fez com que mudasse radicalmente de opinião. Ontem, deu início à vacinação em massa dos britânicos. Não esperou a conclusão dos testes da vacina de Oxford, ainda envolta na polêmica sobre a eficácia de suas dosagens; optou pela aplicação da vacina da Pfizer-Biontech, americana. 

Essa é segunda derrota acachapante do negacionismo, no campo objetivo da vacina como caminho mais eficaz para conter a pandemia, erradicar a doença e voltar à vida normal. A primeira grande derrota foi a eleição de Joe Biden nos Estados Unidos, que até hoje o presidente Jair Bolsonaro não reconheceu.



Não se deu conta ainda da envergadura estratégica da mudança de governo norte-americano, que deixa em colapso a atual política externa brasileira. Suas consequências também serão sentidas na política interna, a começar pela política sanitária.

Nos Estados Unidos, a segunda onda da pandemia do novo coronavírus foi fatal para a reeleição de Donald Trump, de quem Bolsonaro é aliado incondicional. Como Boris Jonhson, porém tardiamente, o presidente norte-americano encerra o mandato correndo para começar a vacinar sua população. Vladimir Putin, na Rússia, e Xi Jinping, na China, já estão vacinando.  

Bolsonaro manobra para disfarçar o que todo mundo já sabe: fez tudo errado durante a pandemia. É deprimente ver o general de divisão da ativa do Exército Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde: com marcial arrogância, corrobora uma política sanitária desastrosa para o país, cuja estratégia equivocada sai da cabeça de Bolsonaro.

Os números da pandemia estão em ascensão e o governo anuncia que a Anvisa vai levar 60 dias para autorizar o uso de vacinas que já estão aprovadas por agências controladoras de outros países. Como diria o Bussunda, é brincadeira.



Ok, existe uma disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, mas quem fez a aposta errada foi o governo federal. A vacina chinesa chegou primeiro, o Instituto Butantan está sendo mais eficiente, nada disso acontece por acaso. 

Atraso 


Um governo que demite dois ministros em plena pandemia, Henrique Mandela e Nelson Tech, e substitui um time experiente de sanitaristas por um grupo de militares paraquedistas no Ministério da Saúde, cujo secretário-executivo exibe na lapela uma faca ensangüentada, símbolo do 1º. Batalhão de Operações Especiais do Exército, agora corre atrás do prejuízo.

Está tudo atrasado, falta planejamento e logística para a campanha de vacinação. O ministro anunciou que o governo terá 300 milhões de doses de vacina, mas não disse quando nem como será a campanha.



O plano estaria pronto, mas até agora é secreto. Se tivesse mais grandeza, Bolsonaro criticaria o governador João Doria por tirar partido da situação, mas não retardaria a vacinação em massa.

Entretanto, sempre desdenhou da eficácia da vacina chinesa; agora, negaceia sua aprovação. O negacionismo em relação à vacina CoronaVac é um bordo perdido do governo, que largou mal e ficou para trás, por uma aposta ideológica e não-científica. 

A história está cheia de exemplos de decisões políticas equivocadas que causaram grandes tragédias. Quando a Itália entrou na I Guerra Mundial, em 1915, ao lado da “Entente” (aliança entre França, Inglaterra e Rússia), os italianos acreditavam que aquela seria uma oportunidade de libertar Trento e Trieste do jugo estrangeiro e declararam guerra ao Império Austro-Húngaro.

Centenas de milhares de jovens foram recrutados e lançados à batalha. No primeiro confronto, porém, o exército inimigo manteve as suas linhas de defesa de Izonso e o ataque foi contido. Morreram 15 mil italianos.  

Na segunda batalha, foram 40 mil mortos; na terceira, 60 mil. Os italianos lutaram “por Trento e por Trieste” em mais oito batalhas, até que, em Caporreto, na décima-segunda, foram derrotados fragorosamente e empurrados pelas forças austro-húngaras às portas de Veneza.



O episódio, citado no livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras), ficou conhecido como a síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão”: foram 700 mil italianos mortos e mais de 1 milhão de feridos ao final da guerra.  

Na maioria das guerras, não são os generais que morrem, é o cidadão que vai para a frente de batalha. Ontem, chegamos a 178 mil mortos, 6,65 milhões de infectados e 796 mortes nas últimas 24 horas. A média móvel das duas últimas semanas está em 617 mortes, isso significa que estão morrendo mais de 25 pessoas por hora, vítimas da “gripezinha”. Não são números que possam ser naturalizados como general Pazuello e sua equipe estão fazendo, porém, sua mentalidade marcial leva a isso. Embora esteja no vértice do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil é uma federação e o sistema é tripartite, a União não tem o monopólio da política de vacinação, cabe-lhe coordenar e não obstruir. A legislação inclusive faculta aos demais entes federados — estados e municípios — o direito de formarem consórcios para resolverem problemas comuns e desenvolver políticas conjuntas.  
 

audima