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Estado de Minas Entre linhas

Esquerda veste saia justa diante da crise enfrentada pelo governo de Cuba

Protestos de domingo na ilha chegam em péssima hora para Lula, pois o regime de partido único 'é um mau exemplo para qualquer candidato democrata'


13/07/2021 04:00 - atualizado 13/07/2021 07:32

No domingo, milhares de cubanos foram às ruas em manifestações contra o presidente Miguel Díaz-Canel (foto: Eva Marie Uzcategui/AFP)
No domingo, milhares de cubanos foram às ruas em manifestações contra o presidente Miguel Díaz-Canel (foto: Eva Marie Uzcategui/AFP)
Milhares de cubanos foram às ruas neste domingo protestar contra o governo em meio ao agravamento da pandemia e da crise econômica no país. A crise cubana pôs uma saia justa nos partidos e lideranças de esquerda, principalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, amigo da liderança cubana, desde quando Fidel Castro deu uma força à criação do PT, recomendando que todos os partidos de esquerda – então na ilegalidade – se somassem ao líder operário que despontava na política após as greves no ABC de 1978.
 
Leonel Brizola, no PDT; Miguel Arraes, no PSB; e Luís Carlos Prestes, até então no PCB, não embarcaram no partido operário criado por líderes sindicais, intelectuais e estudantes na reforma partidária de 1979.

A maioria dos militantes de esquerda que haviam participado da luta armada contra o regime militar, cujo grande expoente foi o líder comunista Carlos Marighela (ALN), porém, encabeçada por José Dirceu, seguiu a orientação do “Comandante”.
 
O livro A Ilha, do jornalista Fernando de Moraes, fez a cabeça de muita gente, em cores vibrantes: em Cuba todos ganhavam o suficiente para sobreviver com dignidade, com políticas de educação e saúde exemplares. O sonho do “homem novo” de Che Guevara fazia do socialismo cubano, com seus comitês revolucionários, um contraponto ao burocrático modelo da União Soviética e do Leste Europeu.

A Revolução Cubana rivalizava até com a Revolução Cultural de Mao Tse Tung, o líder chinês que deu todo poder aos jovens estudantes da Guarda Vermelha e perseguiu a velha liderança comunista, inclusive Deng Hisiao Ping, que seria reabilitado após a morte de Zhou Em Lai e se tornaria o pai da modernização da China.
 
O presidente cubano e novo líder do Partido Comunista, Miguel Díaz-Canel, culpou os Estados Unidos pelas manifestações. Convocou apoiadores a irem às ruas “em defesa da revolução”.

O apelo à mobilização partidária é um sinal de que a situação é grave: “Estamos convocando todos os revolucionários do país, todos os comunistas, para que saiam às ruas em todos os lugares onde ocorram essas provocações”, disse.

O regime cubano mantém um sistema de mobilização popular no qual jovens trabalhadores e estudantes das províncias são levados para Havana, com objetivo de participar das manifestações oficiais e, eventualmente, munidos de tacos de beisebol, pôr para correr os grupos dissidentes que realizam protestos.

Cortina mágica

Cuba sofre com o agravamento da crise econômica, e foi fortemente impactada pela queda drástica do turismo durante a pandemia. O país lida com escassez de remédios, longas filas para acesso a alimentos e cortes de energia elétrica, desde o fim da ajuda soviética. Ultimamente, tem recebido apoio da China.

O principal aliado do regime cubano na América Latina é Nícolas Maduro, que mantém milhares de técnicos e assessores cubanos na Venezuela, mas o regime bolivariano também anda mal das pernas.

A mesma coisa acontece com a Nicarágua, de Daniel Ortega. Os governos Lula e Dilma Rousseff também ajudaram muito o governo cubano, inclusive com a construção do estratégico porto de Mariel, concebido para ser uma espécie de “hub” portuário do Caribe. Mas, agora, com o presidente Jair Bolsonaro no poder, toda a colaboração econômica foi suspensa.

A crise cubana veio em péssima hora para a candidatura de Lula, pois o regime comunista cubano é um mau exemplo para qualquer candidato democrata. Cuba perdeu o charme político, mesmo que a narrativa do boicote dos Estados Unidos como causa de seus problemas econômicos ainda tenha alguma razão de ser.

Não justifica, porém, o seu fracasso econômico, diante do esplendor do capitalismo de estado chinês. Pode ser que a crise leve à aceleração das reformas econômicas, como aconteceu com a China depois do massacre da Paz Celestial.
 
A outra possibilidade é o colapso político do regime, semelhante ao da União Soviética, que se desmilinguiu após a queda do Muro de Berlim e a vaia em Mikhail Gorbatchov, em plena Praça Vermelha, no Primeiro de Maio de 1 991. Em dezembro daquele mesmo ano, a União Soviética se autodissolveu.
 
Só o futuro dirá o que vai acontecer, mas a crise cubana rasgou a cortina mágica que cerca a ilha, tecida por mitos revolucionários. Como diria o escritor tcheco Milan Kundera, quando o mundo corre em direção aos cubanos, já está maquiado, mascarado, pré-interpretado.

“E os conformistas não serão os únicos a ser enganados; os seres rebeldes, ávidos de se opor a tudo e a todos, não se dão conta do quanto também estão sendo obedientes, não se revoltarão a não ser contra o que interpretado (pré-interpretado) como digno de revolta.” 

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