A conferência ''A política como vocação'', do sociólogo alemão Max Weber, em 1918, na Universidade de Munique, publicada em livro no ano seguinte, é um clássico da ciência política e obra de referência para os jornalistas, cuja atividade é inseparável da política. Weber dizia que somos uma espécie de ''casta de párias'' e ''as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes''. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes ''marcada pela pura sorte'', sob condições que ''colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações.''
Leia Mais
Zema discute com Pacheco compensação para tragédia de Mariana tambémFreixo critica Zema: 'Novo é o bolsonarismo personallité'''Show de coerência'', diz Malafaia sobre críticas de Zema ao STF
O tema da violência faz parte da vida dos jornais; não raro, os jornalistas são as vítimas, como acontece agora no Afeganistão. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e não raros os assassinatos de profissionais de imprensa. Na revolução digital, os jornalistas perderam o monopólio da notícia; não há fato relevante que não seja registrado pelo celular de um cidadão comum. Mesmo assim, somos diariamente desafiados a desnudar a verdade e confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política contra o Estado democrático. Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jornalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos.
Voltemos a Max Weber. A expressão monopólio da violência (“gewaltmonopol des staates'') foi cunhada por ele, como atriburo do Estado ocidental moderno, ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos (“font-weight:normal"). O conceito tem origem hobbesiana, inspirado na figura do Leviatã, o mito felício relatado no “Livro de Jó”, um monstro gigantesco, meio dragão meio crocodilo, que vivia num lago e tinha como missão defender os peixes mais fracos dos peixes mais fortes. O inglês Thomas Hobbes, um dos pais do Estado moderno, fez essa analogia em 1651 (Leviatã), para responder duas questões: como as sociedades foram formadas e como devem ser governadas?
Lei do mais forte
É dele a famosa frase “homini lupus homini” (o homem é o lobo do homem), justamente por sermos egoístas e entrarmos em conflito uns com os outros. Apesar de egoístas, porém, temos racionalidade e “medo da morte violenta”. Para Hobbes, era possível abrir mão da liberdade total e fazer um pacto, o “contrato social”, para sair da vida solitária e selvagem, ou seja, do ‘estado de natureza’, e vão viver juntos, sob um poder soberano, no 'estado civil', ou seja, em sociedade. Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitarem o contrato.
O Estado sozinho, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século 19, ou seja, dois séculos depois, entra em cena. Em ''Sobre a liberdade'' (1859), Mill resumiu: o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria. Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros. Todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos que são causados a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional.
Esse breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo no governo Bolsonaro, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos; e à perda do monopólio da violência pelo Estado, em razão da venda indiscriminada de armas, da formação de milícias privadas e de falanges políticas armadas, além do engajamento de agentes armados do Estado em disputas políticas.