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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Temendo não se reeleger, Bolsonaro aposta em polarização ideológica

Entre as forças da economia, institucional e até militar, a grande interrogação é se o país chegará às eleições de 2022 com o presidente no poder


29/08/2021 04:00 - atualizado 29/08/2021 08:32

Presidente tenta arrastar as Forças Armadas para o confronto que ele próprio alimenta com o Supremo Tribunal Eleitoral e Tribunal Superior Eleitoral(foto: Evaristo Sá/AFP - 10/8/21)
Presidente tenta arrastar as Forças Armadas para o confronto que ele próprio alimenta com o Supremo Tribunal Eleitoral e Tribunal Superior Eleitoral (foto: Evaristo Sá/AFP - 10/8/21)


O imponderável da democracia brasileira, com eleições limpas e apuração instantânea, é o voto popular. Vem daí o medo que o presidente Jair Bolsonaro sente das urnas eletrônicas, porque sua reeleição subiu no telhado em razão de o país estar à matroca, com inflação em alta, desemprego em massa, crise sanitária e risco de apagão. Por isso, ameaça tumultuar as eleições de 2022. O presidente da República teme não se reeleger, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como favorito nas pesquisas de opinião, mesmo sabendo que ninguém ganha eleição de véspera. Outros postulantes querem romper essa polarização: João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Henrique Mandetta (DEM), quiçá Rodrigo Pacheco (DEM), presidente do Senado, e Sergio Moro, o ex-juiz que não se assume como candidato e continua pontuando nas pesquisas. Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia para todos. Obviamente, esse cenário ameaça até sua presença no segundo turno.
 
Pressionado psicologicamente, diante do próprio fracasso político-administrativo, há 14 meses das eleições, Bolsonaro aposta na polarização ideológica e radicalização política extremas. Busca um atalho para se manter no poder. Apoiado por partidários fanatizados, escala um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e trabalha para melar as eleições, ao levantar suspeitas sobre a integridade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução do pleito. Tenta intimidar a oposição, a imprensa e os ministros do Supremo; arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista. Não teve sucesso até agora. Quer transformar o 7 de Setembro, no qual pretende realizar duas grandes manifestações, uma em Brasília, outra em São Paulo, numa demonstração de que pode resolver no braço o que não consegue pelo convencimento, como fazem os valentões.
 
Os próximos meses serão complicados. Bolsonaro tem um pacto com os violentos. Primeiro, com as milícias do Rio de Janeiro, cujo modelo de atuação naturalizou e traduziu para a política. Aproveitando-se dos interesses corporativos de categoriais profissionais embrutecidas pelos riscos da própria atividade; e mobiliza atiradores e indivíduos que cultuam a violência por temperamento ou ideologia, fundamentais para a formação de falanges políticas armadas, para as quais conta com a expertise de militares reformados e agentes de segurança pública. A violência sempre presente nos territórios dominados por atividades transgressoras ou na fronteira da economia informal, onde não existe título em cartório e as dívidas são cobradas sob ameaças, são o caldo de cultura da violência de que se aproveita.


Establishment


Na Itália do jurista, político e ex-primeiro-ministro Aldo Moro, assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, os terroristas escreveram nos muros da sede da Democracia Cristã: “Transformar a fraude eleitoral em guerra de classes”. Com sinal trocado, quando fala que o povo deveria comprar fuzil e não feijão, Bolsonaro sinaliza na direção de que pretende transformar as eleições numa guerra. Está armando os militantes que pretende mobilizar para tumultuar o pleito, como tentou Donald Trump nas eleições americanas, diante da impossibilidade de mobilizar as Forças Armadas para dar um golpe de Estado.
 
No establishment econômico, institucional e até mesmo militar do país, porém, a grande interrogação é se chegaremos às eleições de 2022 com Bolsonaro no poder. Sua escalada contra as regras do jogo democrático e contra o Supremo não têm como dar certo; no limite, propõe a discussão sobre a eventualidade de interdição por insanidade mental ou inelegibilidade por atentar contra a democracia. Talvez seja essa a aposta do presidente da República, para provocar uma crise institucional de desfecho violento.
 
A democracia é uma conquista civil da qual não se pode abrir mão, precisamente porque, onde ela foi instaurada, substituiu a violenta luta pela conquista do poder por uma disputa partidária com base na livre discussão de ideias. Condenar as eleições, esse ato fundamental do sistema democrático, em nome da guerra ideológica, nos ensina o mestre Norberto Bobbio, significa “atingir a essência não do Estado, mas da única forma de convivência possível na liberdade e através da liberdade que os homens até agora conseguiram realizar, na longa história de prepotência, violência e cruel dominação”. Deixemos o povo resolver as disputas pelo voto, em clima de eleições pacíficas e ordeiras.

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