Entretanto, Bolsonaro está no pior momento de seu governo, para a opinião pública, nacional e internacional. Decidiu comparecer à abertura da Assembleia-Geral, na terça-feira, para dizer algumas “verdades" sobre o país. Viaja neste domingo, acompanhado pela primeira-dama Michele, e chegará “causando”, porque até hoje não se vacinou contra a COVID-19. Durante a semana, isso criou a maior celeuma, porque a Prefeitura de Nova York, onde está localizada a sede da ONU, restringe a circulação de pessoas não-vacinadas.
A própria ONU exige o atestado de vacina para participar da Assembleia-Geral, porém, diante do impasse, decidiu flexibilizar o protocolo e aceitar a presença de chefes de Estado que não tomaram a vacina, desde que apresentem um atestado de que estão saudáveis, ou seja, não sejam portadores do vírus da COVID-19. É o tipo de atitude que queima o nosso filme já no desembarque. Nova York é uma cidade multiétnica e cosmopolita, na qual os brasileiros não passam batido: são 300 mil residentes na cidade.
O projeto final do belíssimo prédio da sede da ONU, selecionado por uma equipe de arquitetos de diversos países, liderada por Wallace Harrison, é de autoria de Oscar Niemeyer, com a colaboração de Le Corbusier. Construída entre 1949 e 1952, fica no setor leste de Manhattan, às margens do Rio East, em terreno comprados por Nelson Rockefeller por US$ 8,5 milhões e doado por seu herdeiro à administração local. Era um antigo matadouro. A comissão selecionou o projeto de Niemeyer por sua leveza, ao definir prédios distintos para os diferentes órgãos das Nações Unidas, em vez de um só edifício, como propôs Le Corbusier.
O Secretariado foi erguido às margens do Rio East, tendo a Assembleia Geral logo à sua direita, criando uma ampla praça cívica à frente. A sede da ONU é uma verdadeira galeria de arte, com obras de grandes artistas, entre os quais Cândido Portinari. Os monumentais painéis de Guerra e Paz estão expostos no salão dos delegados. Encomendados pela United Nations Association of the United States of America, como um presente às Nações Unidas, foram projetados em Nova York. Portinari, porém, teve problemas com o visto (era acusado de ser comunista), por causa da guerra fria, voltou para o Brasil e pintou os painéis no Rio de Janeiro.
Circulação
Bolsonaro poderá circular pelo prédio da ONU, mas não poderá frequentar a área interna de nenhum restaurante da cidade. Não chega a ser um problema, o presidente da República gosta de ambientes populares e pode até criar um factoide na vida mundana dos brasileiros em Nova York. Na zona central da cidade, o Little Brazil, a quadra da W 46th Street, entre as grandes avenidas a 6th e a 5th, tem bons restaurantes brasileiros, entre os quais os famosos Via Brazil, Ipanema e Emporium. Todos têm leite condensado, caipirinha, feijoada e picanha, além de mesas nas calçadas. Dependendo do dia da semana, rola um pagode no Samba Kitchen & Bar; fora do quadrado, o Miss Favela, no Brooklin, a $ 45 por cabeça o menu completo, tem música ao vivo e clima de boteco.
Deixemos a gastronomia de lado. O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político de Bolsonaro na ONU, mas o próprio nos deu uma dica: “Podem ter certeza, lá teremos verdades, realidade do que é o nosso Brasil e do que nós representamos verdadeiramente para o mundo", disse sexta-feira, em Minas Gerais. Ontem, nosso presidente não participou do Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, evento on line promovido pelo presidente Joe Biden, como preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, marcada para ocorrer entre os dias 1 e 12 de novembro. Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participaram.
Bolsonaro deve voltar ao Brasil logo após a abertura da Assembleia-Geral. Não tem reunião agendada com nenhum outro chefe de Estado. Pelo rumo da prosa, como a maioria dos governantes de países emergentes e periféricos quando estão enfraquecidos, apelará para o discurso nacionalista, um refúgio bem conhecido na diplomacia. É uma forma de mascarar seu negacionismo em relação à pandemia de COVID-19, à grave crise hídrica e ao desmatamento na Amazônia, além de dificuldades econômicas e atual instabilidade política que criou.