Parece que ainda não caiu a ficha para o presidente Jair Bolsonaro de que o relatório do senador Renan Calheiros MDB-AL), após ser aprovado pela CPI da Pandemia, será uma monumental dor de cabeça, não apenas para os demais 65 indiciados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, que investigou a atuação do seu governo na pandemia de COVID-19. Não há outra explicação para as declarações do presidente da República, que minimiza as denúncias e desdenha do trabalho realizado pelos senadores.
As consequências políticas do trabalho da CPI já se refletiam nas pesquisas de opinião sobre o governo, mas agora foram estampadas nas manchetes dos jornais de todo o mundo. Bolsonaro nunca esteve tão isolado no plano internacional. Outro sinal de seu enfraquecimento político foi que o fracasso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ontem, na votação da emenda constitucional que limitava a autonomia do Ministério Público, que não obteve maioria qualificada em plenário e foi derrubada. A reação de procuradores e da opinião pública demonstrou que a ética na política ainda é um valor a ser levado em conta pelo Congresso.
O relatório não ficará barato para os indiciados. Resultarão em processos administrativos, civis e criminais, em razão da continuidade das investigações, que ficarão a cargo da Polícia Federal, da Receita Federal, da Corregedoria Geral da União (CGU), do Tribunal de Contas da União (TCU) e, principalmente, da Procuradoria-Geral da República (CGU). No caso de Bolsonaro e seus ministros, o relatório pode acabar no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, órgão ligado à ONU, que julga crimes contra a humanidade e acusações de genocídio.
O relator Renan Calheiros desistiu da imputação de genocídio ao presidente Bolsonaro, mas pesou a mão em outras nove acusações, entre as quais crimes de epidemia com resultado de morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, charlatanismo e prevaricação. As mais graves, porém, são crime contra a humanidade e crime de responsabilidade.
Os crimes contra a humanidade estão previstos no Estatuto de Roma, uma convenção internacional que prevê esses crimes como ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil. O Brasil é signatário da criação do Tribunal Penal Internacional, e autoriza que aquela Corte julgue alguém que cometeu um crime contra a humanidade no território nacional. Os crimes são imprescritíveis e a pena de prisão pode ser até de 30 anos. Previsto na Constituição, o julgamento de crime de responsabilidade, porém, é político, pelo Congresso, e pode resultar na perda de mandato e suspensão de direitos políticos do presidente da República.
No colo de Aras
Após a conclusão dos trabalhos da CPI da Pandemia, o melhor que os indiciados terão a fazer, inclusive o presidente Jair Bolsonaro, será providenciar um bom advogado, porque a batalha para se livrar das acusações contidas no relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL) será longa e pode ser inglória. Desprezar as conclusões da CPI não é mais possível. O procurador-geral da República, Augusto Aras, por exemplo, após a aprovação do relatório, não poderá se omitir em relação às denúncias apresentadas, sob pena de prevaricar.
Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a propósito da Ação Direta de Iºnconstitucionalidade 5.331-DF, consolidou o artigo 3º da Lei 10.001/2000, que confere prioridade aos processos e procedimentos decorrentes de relatórios de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Segundo entendimento da Corte, as CPIs são um mecanismo de controle da máquina pública, de competência fiscalizatória do Congresso Nacional.
O procurador-geral da República é obrigado a comunicar ao Congresso, semestralmente, o andamento dos procedimentos administrativos e processuais instaurados em decorrência das conclusões da CPI, ''sob pena de sanções administrativas, civis e penais''. Trocando em miúdos, Augusto Aras terá que dar andamento às acusações, o que representa a maior saia justa, porque é um aliado do presidente Jair Bolsonaro, que o indicou para o cargo, mas, ao mesmo tempo, estará sob forte pressão do Senado.