Jornal Estado de Minas

Entre linhas

Lula e Bolsonaro estreitam a possibilidade de uma terceira via

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


A nove meses das eleições presidenciais, o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a resiliência da base eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, favorecido pelo exercício do poder, dominam o cenário pré-eleitoral. O campo da chamada “terceira via” existe no eleitorado, mas até agora não encontrou um candidato capaz de fulanizá-lo, como é da nossa tradição. Essa fragmentação reproduz o cenário do segundo turno de 2018, a não ser suja algum fato novo.




 
A unificação das forças de centro dependeria de um acordo entre seus candidatos – Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (cidadania –, ou de um deles atrair os eleitores dos demais. Sem isso, nada garante que Lula ou Bolsonaro possam ser deslocados do segundo turno. A polarização direita x esquerda é mais desejada por Bolsonaro; Lula se movimenta para atrair lideranças de centro e bloquear a chamada “terceira via”.
 
Há várias explicações para as dificuldades das forças de centro. Aproveito o Bicentenário da Independência para destacar uma delas: a trajetória das ideias liberais no Brasil. Quando D. Pedro I introduziu o direito à propriedade privada na Constituição outorgada de 1824, esse instituto da ordem burguesa serviria de blindagem para o regime escravocrata, até a Abolição, em 1888. Enquanto o liberalismo na Europa ocorria num contexto de trabalho livre e de igualdade perante a lei, aqui no Brasil, a ordem escravocrata predominante restringia seus benefícios, os “direitos iguais”, aos homens livres.
 
No Império, todas as revoltas populares e revoluções de caráter republicano foram duramente reprimidas, sobretudo as que pregavam a abolição. A disputa entre conservadores (saquaremas) e liberais da época (luzias) se dava no eixo da centralização x descentralização, ou seja, da autonomia das províncias. Em 1853, o “Gabinete de Conciliação” uniu conservadores e liberais numa “ponte de ouro”, nas palavras do conselheiro Nabuco de Araújo, na qual os “saquaremas” faziam oposição aos “luzias” nas províncias e vice-versa, mas todos apoiavam a monarquia.




 
A “política de conciliação” garantiu a estabilidade política e retardou a abolição. O Marques de Paraná, o mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão, que liderou o gabinete, recebeu esse título sem conhecer o estado. Era um defensor ferrenho da pena de morte e da escravidão, construiu sua fortuna ilicitamente, em Além Paraíba (MG), onde possuía 200 escravos e 190 mil pés de café.
 
Com a derrocada do Império, a hegemonia do pensamento republicano passou a ser positivista, protagonizada pelos militares, e viria a se confrontar com o novo liberalismo republicano dos cafeicultores paulistas, que protagonizaram a substituição da mão de obra escrava pelos trabalhadores assalariados europeus e promoveriam a industrialização. Esse choque pautaria as disputas políticas da Primeira República, até a Revolução de 1930, que mudou o eixo da política brasileira. O liberalismo brasileiro conectou a elite política com a Europa e os Estados Unidos, mas ignorou as iniquidades sociais.

Conciliação e patrimonialismo

Após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932, a disputa entre setores reacionários e conservadores com a elite paulista, que dava as cartas na economia, era decidida na política, com a intervenção do Estado em todos os setores da vida nacional. Nos momentos em que o povo entrou em cena, como na eleição de Getúlio Vargas em 1950 e no governo João Goulart, com uma agenda nacionalista, a reação das velhas oligarquias e da elite liberal, inclusive paulista, com suas conexões internacionais, foi golpista.




 
Assim como a Independência não foi uma revolução de caráter popular e liberal, mas a continuidade da ordem das elites da época, nas décadas de 1830 e 1840, em 1889, 1930, 1945, 1961 e 1964 deu-se o mesmo. A “política de conciliação” sempre renasce das cinzas para pacificar o país, porém, ao mesmo tempo, para conter as aspirações profundas de mudança, de modo a sustentar a ordem dominante e seus privilégios. É uma das chaves da “modernização conservadora”; a outra, é a “via prussiana” do autoritarismo.
 
Após 20 anos de regime militar, devemos aos liberais um papel decisivo na transição à democracia, sob a liderança hegemônica de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Em trinta e cinco anos de democracia, o eixo do poder se deslocou de setores liberais (Sarney, Collor de Mello e Itamar Franco) para a esquerda social-democrata (Fernando Henrique Cardoso) e nacional-desenvolvimentista (Lula e Dilma Rousseff).
 
Com exceção de Collor e Dilma, todos operaram a velha “política de conciliação”. A recidiva do patrimonialismo, porém, pôs tudo a perder. Por ironia, o governo liberal de Michel Temer foi a antessala da volta dos militares ao poder, por meio da eleição de Jair Bolsonaro, em aliança com os setores conservadores e atrasados. O ultraliberalismo anárquico que emergiu das ruas em 2013 foi capturado pelo atual presidente da República na campanha de 2018. O espaço para a aliança entre liberais e social-democratas se estreitou.

audima