Todos os homens do Kremlin — os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin, de Mikhail Zygar (Vestígio), é um livro-reportagem com detalhes reveladores sobre o círculo íntimo de Putin e sua longa permanência no poder. É a história de um líder ardiloso e perigoso, mas também de um grupo que assumiu o controle da Federação Russa.
Putin "se tornou rei por acaso", levado ao poder por oligarcas e políticos regionais, que o acolheram ao mesmo tempo em que manipulavam seus medos e ambições. Com o tempo, demonstrou uma habilidade incomum para se manter no poder e assumir o controle do grupo com mão de ferro, em meio a intrigas, conspirações e muita corrupção.
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Crise da Ucrânia é uma mudança na política mundial Nova guerra fria esquenta com escalada da crise ucraniana gerada por PutinNova 'cortina de ferro' recai sobre a Europa com a invasão russa da UcrâniaPutin volatilizou US$ 630 bilhões em reservasAtaques terroristas em Moscou e o conflito na Chechênia catapultaram a candidatura do ex-diretor da FSB, a antiga KGB. A imagem de líder jovem e modernizador, que seduziu o público doméstico, não convenceu o Ocidente. Seu projeto inicial de integração da Federação Russa à União Europeia, inclusive à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), foi rejeitado pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e pela primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel.
Essa rejeição, que considerou uma humilhação, e a ambição de se perpetuar no poder levaram Putin à guinada nacionalista e autoritária que vem marcando sua trajetória, inicialmente alternando a Presidência e o cargo de primeiro-ministro com Dmitry Medvedev, que presidiu a Rússia entre 2008 e 2012. A consolidação de seu poder se deu em razão do apoio popular à ideia de restabelecer o status de potência mundial da Rússia e à agenda conservadora dos costumes, da aliança com os militares e com a Igreja Ortodoxa, e do controle dos meios de comunicação, dos órgãos de segurança, do Ministério Público e do Judiciário.
É aí que nasce a empatia entre Putin e Jair Bolsonaro, que ficou evidente na recente visita do presidente brasileiro à Rússia. Há um terreno fértil para essa aliança política pessoal. Bolsonaro não tinha um projeto político claro quando foi eleito, bafejado muito mais pela sorte do que em razão de suas virtudes. Tem o mesmo discurso nacionalista, a agenda conservadora, uma aliança religiosa fundamentalista, o apoio de setores militares e do sistema de segurança, porém não controla os meios de comunicação e o Judiciário.
O isolamento de Bolsonaro no Ocidente, antipatizado pela opinião pública e em litígio com os principais líderes mundiais, inclusive o presidente norte-americano, Joe Biden, faria de Putin um parceiro natural de Bolsonaro na cena mundial, após a viagem a Moscou, não fosse a crise da Ucrânia ter virado uma guerra quente.
O verdadeiro teor da conversa privada entre Bolsonaro e Putin é um iceberg ainda, não ficou restrita à venda de carne e à compra de fertilizantes, estratégica para os dois países. Houve conversas no âmbito da cooperação tecnológica e militar, na qual a Rússia, sim, pode vir a fazer diferença. E, para a oposição, existe o fantasma da interferência de hackers russos nas eleições.