Ao se recusar a usar tornozeleira eletrônica, desafiando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e buscar refúgio nas dependências da Câmara, exigindo solidariedade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o deputado Daniel Silveira (União Brasil-RJ) escala uma provocação política, cujo objetivo é criar um ambiente de radicalização contra a Corte, com propósitos eleitorais e um viés golpista.
Pressionado, Lira foi condescendente: distribuiu nota na qual afirma que o plenário da Câmara é inviolável e defendeu que o plenário do Supremo analise o pedido de revogação da decisão de Moraes feito pela defesa de Silveira. Réu no STF por estimular atos antidemocráticos e ameaçar as instituições, o parlamentar passou a madrugada de terça para quarta-feira em seu gabinete, depois de anunciar que não colocaria a tornozeleira; diante da decisão de Moraes e da nota do presidente da Câmara, se refugiou no plenário. O julgamento da ação penal contra Silveira está marcado para o dia 20 de abril.
Aliado dos bolsonaristas da Câmara, que tiveram um papel importante na sua eleição, Lira assumiu uma posição ambígua em relação a Silveira: “Decisões judiciais devem ser cumpridas assim como a inviolabilidade da Casa do Povo deve ser preservada. Sagrada durante as sessões, ela tem também dimensão simbólica na ordem democrática", argumentou. Moraes atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que solicitou a aplicação de medidas restritivas ao deputado.
A atitude de Silveira mira os eleitores bolsonaristas, mas cria uma situação de choque entre os Poderes, porque desobedece a uma decisão do Supremo e transforma o plenário da Câmara num refúgio seguro contra uma decisão judicial que não interfere na sua atividade parlamentar. Às vésperas das eleições, é um péssimo exemplo; há outros parlamentares que endossam suas atitudes.
Congressistas somente podem ser presos em flagrante, por crime inafiançável. Mesmo assim, a Câmara e o Senado podem revogar a prisão. No caso de medidas cautelares, o STF já decidiu que, caso elas influenciem no exercício do mandato do parlamentar, o plenário da Câmara precisa se manifestar dentro de 24 horas para manter ou relaxar a medida. Em sua decisão, porém, Moraes afirma que a tornozeleira não impede o exercício do mandato de Silveira.
Silveira sinaliza uma linha de recrudescimento dos ataques e desafios ao Supremo Tribunal Federal (STF) por parte dos grupos bolsonaristas radicais. Aposta num ambiente de confrontação entre os Poderes, no qual a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro projeta um cenário de radicalização política esquerda x direita.
O gesto de Silveira foi estrategicamente pensado, pois coincidiu com o recurso encaminhado ontem ao Supremo por sua defesa, na qual pede a suspensão das medidas cautelares decretadas por Moraes. Também desgasta a Polícia Federal como polícia judiciária. Câmara e Senado têm sua própria polícia. Sua atitude incendeia as redes sociais bolsonaristas, pavimentando caminho para sua reeleição, ao mesmo tempo em que incentiva ataques ao Supremo, os mesmos que já o levaram à prisão.
Urna eletrônica
O superintendente da Polícia Federal no Distrito Federal, delegado Victor Cesar Carvalho dos Santos, foi à Câmara para notificar o deputado, mas não cumpriu a decisão, porque não foi autorizado por Lira. É uma situação desmoralizante, mas tem tudo a ver com a atual situação da Polícia Federal, cada vez mais subordinada ao presidente Jair Bolsonaro.
Ontem, em Parnamirim (RN), durante evento em clima de campanha eleitoral antecipada, o presidente Jair Bolsonaro voltou a questionar as urnas eletrônicas, ao afirmar que os votos da “serão contados” e que “não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos”, numa alusão aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre os quais Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte durante as eleições.
É o tipo de comentário que sinaliza aos grupos bolsonaristas que chegou a hora de uma nova temporada de ataques à Justiça Eleitoral. Os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas são constantes e fazem parte de uma estratégia para questionar o resultado das urnas caso perca as eleições. Segue a cartilha adotada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não aceitou a eleição de Joe Biden. O presidente brasileiro foi um dos últimos chefes de Estado a reconhecer a eleição do democrata.