O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, reuniu-se ontem com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e com o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. Os encontros tiveram o claro propósito de desanuviar o clima de tensão existente entre a corte e os demais Poderes, em razão do caso do deputado Daniel Silveira, cuja condenação à prisão foi perdoada (graça) pelo presidente Jair Bolsonaro e, também, das declarações do ministro Luis Barroso sobre o posicionamento das Forças Armadas em relação à segurança das urnas eletrônicas.
O discreto posicionamento de Fux durante o recrudescimento dos ataques de Bolsonaro ao Supremo foi muito questionado pelos próprios pares, mas ajudou a distensionar o ambiente político, ao menos por enquanto. Após o encontro com Pacheco, o STF distribuiu nota na qual afirma que ambos estão comprometidos com “a harmonia entre os poderes, com o devido respeito às regras constitucionais".
Ao sair do encontro, Pacheco falou: “O que nós não podemos é permitir que o acirramento eleitoral — que é natural do processo eleitoral e das eleições — possa descambar para aquilo que eu reputei como anomalias graves e se permitir falar sobre intervenção militar, sobre atos institucionais, sobre frustração de eleições, sobre fechamento do Supremo Tribunal Federal. Essas são anomalias graves que precisam ser contidas, rebatidas com a mesma proporção a cada instante porque todos nós, todas as instituições, têm obrigações com a democracia, com o Estado de direito, com a Constituição", disse o presidente do Senado, conciliador.
A conversa do ministro da Defesa com o presidente do Supremo, porém, foi antecedida por uma ostensiva demonstração de alinhamento do Exército com o presidente Bolsonaro, que participou da reunião com o alto-comando da força pela manhã, ao lado do general Paulo Sérgio. Depois, ambos foram para o Ministério da Defesa. Os dois eventos não constavam da agenda oficial de Bolsonaro, que explora o esgarçamento das relações da cúpula militar com o Supremo, agravadas pelas declarações de Barroso, na semana passada.
"Durante o encontro, o ministro da Defesa afirmou que as Forças Armadas estão comprometidas com a democracia brasileira e que os militares atuarão, no âmbito de suas competências, para que o processo eleitoral transcorra normalmente e sem incidentes", registrou Fux por meio de nota distribuída pelo Supremo. O general Paulo Sérgio saiu do encontro sem dar declarações.
Bolsonaro coloca em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e propõe uma contagem paralela dos votos pelos militares, o que é um absurdo institucional. Essa questão é tratada por Bolsonaro como se fosse um posicionamento estratégico, para não reconhecer o resultado das urnas caso perca as eleições. O favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas alimenta a insatisfação dos militares e de parte da opinião pública com a anulação de sua condenação pelo Supremo, com base no princípio do juiz natural.
Caso Silveira
A tensão política foi momentaneamente desanuviada, mas o caso Daniel Silveira é uma espécie de bomba-relógio. O Supremo ainda não concluiu o julgamento e há muitas dúvidas no ar. Os advogados do parlamentar querem que o inquérito seja simplesmente arquivado em razão da graça concedida por Bolsonaro, com o argumento de perda de objeto da ação. Dificilmente, a maioria dos ministros da corte acolherá esse pedido, até porque o parlamentar mantém sua postura desafiadora, participando de atos contra o Supremo. Isso pareceria uma rendição.
A tendência é a corte aceitar o perdão de Bolsonaro, mas não livrar o parlamentar da ilegibilidade, com base na lei da Ficha Limpa, porque a graça não anula a condenação, apenas o livra do cumprimento da pena de prisão. Sem os direitos políticos, a candidatura de Silveira ao Senado, pelo Rio de Janeiro, estaria liquidada. O parlamentar se tornaria um zumbi nos corredores da Câmara, contando os dias que faltam para concluir seu atual mandato.
Entretanto, enquanto isso não acontece, Daniel Silveira circula pelo plenário como uma estrela política ascendente no campo bolsonarista, a encarnar o descontentamento dos seus pares com o Supremo, no lusco-fusco da posição ambígua do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). O parlamentar se tornou um personagem mais proeminente do que qualquer um dos líderes da situação ou da oposição.
A volta às sessões presidenciais da Câmara, por outro lado, revelou um Parlamento dócil e omisso diante de assuntos relevantes, como o desaparecimento de uma aldeia inteira de ianomâmis, atacados por garimpeiros, denunciado ontem da tribuna pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e outros parlamentares. Após denúncias de estupro e morte de uma menina de 12 anos e do desaparecimento de uma criança de 3 anos, a comunidade Aracaçá, no Norte de Roraima, sumiu da aldeia e suas casas foram queimadas. Em outras circunstâncias, o assunto seria uma comoção na Câmara, mas não é o que acontece. Arthur Lira trata o caso como uma trivialidade.