A Câmara dos Deputados concluiu a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria uma série de benefícios às vésperas das eleições, que vigorarão até 31 de dezembro. Patrocinada pelo Centrão e agasalhada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a proposta representa rombo adicional de R$ 41,2 bilhões no Orçamento deste ano, com propósito de conceder benefícios à população de baixa renda.
A menos de três meses das eleições, a PEC aumenta o valor do Auxílio Brasil, amplia o vale-gás e cria um voucher para os caminhoneiros. Como a legislação eleitoral proíbe esse tipo de medida às vésperas das eleições, inventa um “estado de emergência” que livra o presidente Jair Bolsonaro das punições previstas em lei para esse tipo de crime eleitoral. Os benefícios aprovados começarão a ser pagos em agosto, mas vigorarão somente até dezembro. A medida é um estelionato eleitoral escancarado, mas foi aprovada com os votos da oposição, com exceção do Novo.
A aprovação da PEC foi marcada por suspeitas de fraude na votação de terça-feira e uma mudança regimental de última hora para permitir a aprovação com quórum virtual. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), mudou as regras de votação a fim de permitir que parlamentares registrassem presença remotamente. Sessões extraordinárias foram realizadas para encurtar o prazo entre a primeira e a segunda votações, sendo que uma delas durou um minuto.
A PEC começou a tramitar no Senado, onde obteve apoio quase unânime; somente o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra. Um acordo entre o Palácio do Planalto, que dobrou as resistências da equipe econômica, o Centrão e a oposição foi o ovo da serpente da quebra de institucionalidade da economia e das regras do jogo eleitoral. Velha raposa política, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-líder do governo, na hora da votação inclui no projeto o “estado de emergência” para burlar a legislação eleitoral. A justificativa é marota: a guerra da Ucrânia.
A institucionalidade das políticas econômicas é uma chave para que o país possa atingir bons resultados econômicos. O vale-tudo institucional, tanto quanto no mercado, compromete a interação entre o Estado, as instituições, as empresas e a sociedade, joga o crescimento para baixo e os preços para cima. Medidas como a de ontem contrariam as expectativas dos agentes econômicos. Seu resultado são a falta de investimentos, a redução da atividade econômica, o aumento da inflação, as altas taxas de desemprego.
Consequências
O Orçamento da União foi capturado pelo Centrão, por meio do chamado orçamento secreto. A aprovação da PEC foi a contrapartida para que Bolsonaro liberasse a execução das emendas parlamentares às vésperas da eleição. O resultado é a bagunça fiscal e a execução caótica do Orçamento, que passa ao largo de projetos estruturantes, porque as emendas apresentadas, em sua maioria, têm objetivos clientelistas. O pacote está em contradição e impacta a política monetária, que foge à alçada do Congresso e foi completamente blindada pela autonomia do Banco Central (BC).
O combate à inflação pelo Banco Central, por meio da elevação da taxa de juros, e a garantia de alta rentabilidade dos capitais aplicados em ativos financeiros, principalmente os títulos públicos, provocam a retração da atividade econômica e a concentração de renda, na contramão dos objetivos imediatos das medidas aprovadas pela PEC. Os investimentos estrangeiros feitos no país, atraídos pela alta rentabilidade dos títulos públicos, têm caráter especulativo. O Estado também não é capaz de financiar a modernização de nossa infraestrutura, nem é esse o objetivo do orçamento secreto, consumido por distribuição de tratores, caminhões, estradas vicinais etc. O país perde complexidade econômica e competitividade no mercado mundial.
Como a economia está ancorada no regime de metas da inflação, que já foi para o espaço, e no câmbio flutuante, que se tornou um grande estorvo para o governo por causa da alta do petróleo, o grande ponto de interrogação é o resultado da equação benefícios concedidos pela PEC versus processo inflacionário. Às vésperas da eleição, ninguém sabe se as medidas serão capazes de reverter a desvantagem eleitoral do presidente Jair Bolsonaro em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trocando em miúdos, a oposição entrou numa casa de caboclo sem saber como vai sair. Quem não tem nada a perder é o presidente Jair Bolsonaro. E o Centrão? Também, seus políticos têm como característica principal a capacidade de adaptação.