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ENTRE LINHAS

Manifesto pela democracia resgata narrativa da luta contra a ditadura

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A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, lançada ontem nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco (Universidade de São Paulo), na sequência do manifesto de empresários e sindicalistas organizado pela Fiesp como o mesmo objetivo, resgatou a narrativa da luta pela democracia que aprofundou o isolamento e levou à derrota o regime militar. Organizado por ex-ministros do Supremo, juristas, professores e alunos, o manifesto pode chegar a 1 milhão de assinaturas.   

É uma ironia tudo isso. Tanto fizeram o presidente Jair Bolsonaro, os generais que o cercam no Palácio do Planalto e seus apoiadores, saudosistas do regime militar, nos ataque às urnas eletrônica, à Justiç Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal, que o mundo jurídico reagiu em defesa dos postulados básicos da democracia e conseguiu galvanizar o apoio da sociedade civil. Isso ficou muito evidente ontem no Largo do São Francisco, em São Paulo, e em dezenas de outras cidades brasileiras. Não por acaso, o evento relembrou o manifesto lançado nas comemorações dos 150 anos dos cursos de Direito no Brasil, em 1977.





O evento de ontem reuniu remanescentes da manifestação realizada em 1977, que contou com a participação de cerca mil pessoas, que saíram em passeata no centro de São Paulo, em pleno regime militar. A leitura da nova carta foi realizada pelas professoras da Faculdade de Direito da USP, Euníce de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara, vice-diretora da instituição, e por um dos signatários da carta de 1977, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach , com 82 anos, ex-ministro do Superior Tribunal Militar aposentado.

Em 1977, a motivação dos protestos foi o fato de a celebração oficial ter ficado a cargo do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, um dos autores do AI-5. Os juristas Flavio Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso decidiram organizar um ato que realmente representasse a comunidade acadêmica e seu entendimento sobre a situação do país. O professor Goffredo foi encarregado de redigir e ler o manifesto, que entrou para a história.

O contexto era completamente diferente. O general Ernesto Geisel operava uma abertura política "lenta, gradual e segura", em resposta à derrota eleitoral do regime em 1974. Milhares de pessoas h aviam sido presas em 1975, a maioria ligada ao antigo PCB; o regime perseguia opositores, censurava meios de comunicação e não permitia a eleição direta de governantes. Entre junho e agosto, 17 jovens militantes do antigo MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), entre os quais o atual deputado federal Ivan Valente (PSOL), haviam sido presos. Em resposta, houve uma grande manifestação de estudantes na PUC do Rio de Janeiro.





Não por acaso, os signatários da "Carta aos Brasileiros" começavam o documento declarando-se decididos "a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras ". O texto de 14 páginas terminava afirmando: ˜A consciência jurídica do Brasil quer um a cousa só: o Estado de Direito”. O documento, de certa forma, serviu para unificar o movimento democrático, que desaguou na vitória do MDB nas eleições de 1988 e na campanha da anistia para os presos políticos e exilados, que viria ser aprovada em 1979. Daí em diante, da nova derrota eleitoral de 1982 até a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o regime foi se desagregando, até a derrota final dos militares.

Hoje, a situação é completamente diferente. Generais voltaram ao poder pelas mãos de um ex-capitão que deixou a ativa por indisciplina e se elegeu presidente da República; o Ce ntrão substitui a antiga Arena, da qual o PP é o legítimo sucessor, no controle do Congresso. Entretanto, o poder moderador na República é exercido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, não, pelas Forças Armadas, embora o atual ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, se comporte como se fosse xerife das eleições.

A narrativa golpista Bolsonaro assusta a sociedade civil, cujas lideranças se uniram para defender a democracia sem a intermediação dos partidos. Esse é o eixo político institucional da disputa eleitoral em curso, mas é a situação da economia que decidirá o pleito. Por meio da chamada PEC Emergencial, que desconsidera a legislação eleitoral, o governo usar o peso do seu poder econômico para mudar a correlação de forças nas eleições. Por isso, Bolsonaro tripudia do manifesto.