Jornal Estado de Minas

ENTRE LINHAS

A violência contra Vera Magalhães espreita todos nós jornalistas

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Nossa colega Vera Magalhães, vítima de um ataque direto do presidente Jair Bolsonaro no debate dos presidenciáveis na Band e agora, mais recentemente, de uma agressão verbal do deputado paulista Douglas Garcia (Republicanos), que está sendo investigado pelo Ministério Público por suspeita de crime de “stalking” e dano emocional àquela profissional, tornou-se uma espécie de símbolo do relacionamento oficial do governo Bolsonaro com a imprensa. Na verdade, as grosserias e agressões a jornalistas por parte de Bolsonaro e seus aliados ocorrem desde o começo do governo, tendo como cenário privilegiado o famoso cercadinho do Palácio da Alvorada, local utilizado pelo presidente da República para suas conversas com apoiadores e entrevistas quebra-queixo com os jornalistas credenciados na Presidência. E se reproduzem nas redes sociais.





No livro “A política como vocação”, na verdade uma palestra famosíssima, em 1918, na Universidade de Munique,  o sociólogo alemão Max Weber discorre longamente sobre as atividades dos jornalistas. Publicada um ano depois, a obra é um clássico da ciência política e referência para os estudantes de jornalismo, pois mostra que a profissão é inseparável da política. Ao falar sobre os jornalistas, Weber dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e, por isso, “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.

É o que está acontecendo com Vera Magalhães, cujo texto contundente e sempre bem contextualizado se destaca entre os analistas políticos, além do fato de que faz parte de uma geração que transitou do jornalismo impresso para a comunicação multimídia com pleno êxito. Vera se tornou uma “persona” nas redes sociais, mas sua imagem não está descolada de sua personalidade, do seu talento e de sua vida pessoal, pois a sua coragem e firmeza como profissional e mulher independente fazem parte do ethos da profissão que escolheu. Como se sabe, antropologicamente falando, éthos é o conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento e da cultura de uma coletividade, ou seja, nossos valores, ideais e crenças.

Weber resumiu a ópera: “A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra aparentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”.





Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, como agora, muitas das quais comandando as redações, como a diretora de redaçãoo aqui do Correio Braziliense, Ana Dubeaux. Mesmo assim, essas observações são atualíssimas e servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira, que sofrem duplo preconceito por serem jornalistas e mulheres.  Eu trabalho cercado de jovens jornalistas, me encanta a forma como encaram a profissão com sede de verdade e coragem para enfrentar os desafios de uma atividade que passa por mudanças inimagináveis quando comecei minha carreira profissional, lá se vão mais de 50 anos.

A violência nos espreita


O tema da violência faz parte da vida dos jornais e do jornalismo. Não raro, os jornalistas são as vítimas, como aconteceu tantas vezes no Vietnã, no Afeganistão e agora ocorre na Ucrânia. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e os assassinatos de profissionais de imprensa. Mas vivemos num mundo muito diferente daquele que Weber conheceu. Com a revolução digital, os meios de comunicação e os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Ela chega pelo celular em tempo real, com imagens flagradas pelo cidadão comum; o “furo”, a notícia exclusiva no jargão das redações, nem sempre é nosso, porém, mesmo assim, sua veracidade exige comprovação e ninguém apura as informações com mais precisão e processa as notícias com mais qualidade do que os jornalistas profissionais. A missão permanece a mesma; o contexto, os meios e as plataformas é que mudaram.

Somos diariamente desafiados a desnudar a verdade, confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política, como foram os velhos panfletos apócrifos e publicações faccional, quase sempre contra o Estado democrático e/ou tratando os adversários como inimigos, muitas vezes jurados de morte. Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jornalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos. Não é uma empreitada fácil, porque o ambiente beligerante, que justifica essa analogia com a guerra, infelizmente, hoje é uma triste realidade em nosso país, muito mais grave do que já era, porque há uma política oficial de promover a formação de milícias políticas, armadas até os dentes.





A propósito, a expressão monopólio da violência (“gewaltmonopol des staates”) foi cunhada por Max Weber como atributo do Estado ocidental moderno – ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos. O inglês Thomas Hobbes, um dos pais do Estado moderno, em 1651, no Leviatã, respondeu a duas questões: como as sociedades foram formadas e como devem ser governadas?. Para ele, era possível abrir mão da liberdade total e fazer um pacto, o “contrato social”, para sair da vida solitária e selvagem – ou seja, do “estado de natureza” – e viver juntos, sob um poder soberano, no “estado civil” – ou seja, em sociedade.

Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitar o contrato. O Estado sozinho, absoluto, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século 19, ou seja, dois séculos depois, entra em cena em “Sobre a liberdade” (1859): o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria. Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.