É um lugar-comum nas campanhas eleitorais, principalmente de parte de quem está perdendo, a tese de que o segundo turno é uma nova eleição. Há controvérsias. As forças em movimento são as mesmas, porém, os dois primeiros colocados operam forte atração sobre as demais, por expectativa de poder, motivação ideológica e/ou emocional. Isso provoca o realinhamento eleitoral, cuja resultante será a formação de uma maioria de votos válidos, que garante a consagração inequívoca do presidente eleito.
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No primeiro turno, Jair Bolsonaro ampliou mais ao centro do que LulaO imponderável nas eleições em dois turnosA ''sombra de futuro'' de Simone Tebet, não importa que vençaVamos falar da exclusão estrutural que continua assolando o BrasilAdesismo no 2º turno presidencial e derrota na federação PSDB-CidadaniaNa última semana da eleição, Lula perdeu posições e Bolsonaro avançou. Mais do que frustrar a expectativa petista de vitória no primeiro turno, o resultado da votação de domingo embalou a campanha de Bolsonaro e gerou perplexidade na campanha de Lula, ainda que ninguém queira passar recibo do que aconteceu. Com 96,93% das urnas apuradas, Bolsonaro recebeu 43,70% dos votos válidos, enquanto Lula teve 47,85% dos sufrágios. Os candidatos Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram, respectivamente, 4,22% e 3,06% dos votos válidos.
Um bom exemplo dessa expectativa é a fotografia da manifestação petista na Avenida Paulista, no dia da eleição, com Lula ao lado da esposa, Janja, da ex-presidente Dilma Rousseff, da presidente do PT, Gleisi Hoffman, do ex-senador Aloizio Mercadante e do seu vice, Geraldo Alckmin, quase um estranho no ninho. Era uma espécie de “Lula é meu e ninguém tasca”, armado na expectativa de que a eleição estava decidida. Entretanto, o resultado do primeiro turno exigia que o palanque fosse muito mais amplo.
Lembrei-me de certa passagem do romance “Vida e destino” (Alfaguara), do escritor judeu ucraniano Vassili Grosman, que foi correspondente de guerra na Batalha de Stalingrado, na Segunda Guerra Mundial. A publicação do livro esteve proibida durante muito tempo e seu autor chegou a ser preso por causa dele. Grossman relata a experiência de guerra, os absurdos de seus efeitos sobre a vida das pessoas, com toda a inversão de valores que acarretou. Realista, mostra os bastidores da batalha nos partidos e na antiga sociedade soviética. É uma descrição impressionante de como a resistência ao invasor alemão se transformou numa guerra patriótica, na qual o protagonismo popular foi decisivo na frente de batalha. Mas também desnuda o comportamento do aparelho partidário, que se recolhe à retaguarda e, no momento de virada da guerra, opera para colher os louros da vitória.
O palanque de Lula no domingo refletiu uma falsa expectativa, na qual não se levou em conta que a onda do voto útil havia se esgotado e fora protagonizada por formadores de opinião que já estavam no campo da esquerda; o alarido e a agressividade da campanha, porém, provocaram o voto útil reverso dos eleitores antipetistas, que não desejavam votar em Bolsonaro, mas o preferem em relação a Lula. É aí que mora o perigo de virada eleitoral logo no começo do segundo turno, porque a inércia desse movimento silencioso pode não ter se esgotado no dia da votação.
Alianças
O PT se movimenta em direção ao centro com dificuldades. Lula recebeu o apoio do PDT, com a aquiescência de Ciro Gomes, e do Cidadania, liderado por Roberto Freire, ambos duros desafetos, que ontem anunciaram formalmente o apoio ao ex-presidente da República no segundo turno. Esses posicionamentos decorrem de um claro posicionamento contra o presidente Jair Bolsonaro, e não de uma negociação de ambos com o petista. Lula espera obter o apoio de Simone Tebet, a candidata do MDB, com quem deve se encontrar para tratar dos termos do apoio. No dia da eleição, a candidata do MDB anunciou que não iria se omitir e aguardava um posicionamento firme do partido.
O deputado Baleia Rossi, presidente da legenda, que bancou sua candidatura, porém, deve anunciar a neutralidade do MDB. Houve uma forte mudança na composição da bancada, que passou a contar com maior participação de parlamentares bolsonaristas eleitos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em contraponto aos representantes do Norte e Nordeste, aliados de primeira hora de Lula.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), no domingo anunciou seu apoio a Bolsonaro, que ontem recebeu a adesão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que o visitou no Alvorada. Zema ficou neutro no primeiro turno, apesar de Lula apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD). O governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que ficou fora do segundo turno, fechou o cerco ao anunciar ontem o apoio a Bolsonaro. O PSDB paulista apoiará Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato de Bolsonaro em São Paulo, mesmo tendo ele declarado que não deseja o apoio de Garcia.