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A disputa pela direção intelectual e moral da sociedade no segundo turno

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Luiz Carlos Azedo

 

Um dos organizadores da edição brasileira dos “Cadernos do Cárcere”, de Antônio Gramsci, sob a liderança de Carlos Nelson Coutinho e a participação de Luiz Sérgio Henriques (obra que acaba de ser reeditada pela Editora Civilização Brasileira), o cientista político e professor livre-docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Marco Aurélio Nogueira, a propósito da coluna publicada ontem, intitulada “‘Guerra de posições’ entre Lula e Bolsonaro decidirá a eleição”, fez observações muito pertinentes sobre a disputa pela direção intelectual e moral da sociedade.





 

Transcrevo a seguir seus comentários sobre a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro nesse terreno: “Você usa o conceito de direção intelectual e moral, que é utilíssimo na formulação da hegemonia. Mas acho que não está certo falar que ‘o segundo turno das eleições opõe, de um lado, o domínio político do governo Bolsonaro e, de outro, a direção intelectual e moral da sociedade protagonizada pela oposição liderada por Lula’. Você acrescenta que ‘quem conseguir juntar domínio, pela via eleitoral, e direção, exercendo o poder, governará o país pelos próximos quatro anos’. E mais: ‘O chefe do Executivo já tem o domínio, mas perdeu a direção moral, que tenta recuperar’”.

 

Depois desse resumo, Nogueira comenta: “Duas coisas me vieram à mente. (1) Bolsonaro não perdeu a direção intelectual e moral: 50% dos eleitores estão com ele e o seguem justamente como ‘dirigente’. (2) Lula está disputando essa direção, mas ainda não a tem. Numa eleição, vence quem dirige, não quem domina. E o poder é uma situação típica de domínio, não necessariamente de direção. Quem exercer o poder pode dirigir também, mas desde que busque fazer isso não automaticamente. Por isso, Gramsci fala que antes de se chegar ao poder, seria conveniente que se tratasse de conquistar a direção”.

 

São observações que ilustram a complexidade do cenário eleitoral, no qual o presidente Jair Bolsonaro, neste segundo turno, estabeleceu como eixo de campanha exatamente a disputa pela “direção moral” da sociedade, com uma estratégia na qual empunha as bandeiras da ética, da família unicelular patriarcal, da fé em Deus e da liberdade individual. Com isso, conseguiu reduzir a vantagem estratégica de Lula no primeiro turno, que mantinha uma liderança folgada até as vésperas da votação.





 

Senso comum

 

Bolsonaro estruturou sua campanha em torno dessas bandeiras e organizou uma base política orgânica nas redes sociais, que tem revelado grande poder de mobilização e protagoniza a radicalização política e ideológica na sociedade desde as eleições de 2018. O uso de fake news para aumentar a rejeição de Lula e reduzir a sua própria vem sendo recorrente na campanha de Bolsonaro, mas isso não elimina, até reforça, o fato de que ancora seus ataques ao petista no senso comum da população, que é majoritariamente conservador.

 

Conversando sobre isso, Nogueira me chamou a atenção para o fato de que a campanha do ex-presidente Lula está focada principalmente na comparação dos resultados econômicos de seus dois mandatos com os de Bolsonaro, que pleiteia a reeleição. Ou seja, o petista privilegia o terreno das questões econômicas. Até agora, vem tendo sucesso ao escolher esse terreno de batalha, porém é inegável que as ações do governo para melhorar o ambiente econômico estão influenciando os eleitores, como comprovam as pesquisas, que mostram redução da rejeição de Bolsonaro e da desaprovação de seu governo. Isso limita o peso da economia na decisão de voto.

 

É bom lembrar que o governo é a forma mais concentrada de poder e Bolsonaro não tem o menor pudor em utilizar a máquina federal para alavancar sua candidatura. O fato de estar no poder, ou seja, numa situação de domínio, é uma vantagem estratégica na campanha eleitoral dos que concorrem à reeleição, porque controla estruturas capazes de mudar a correlação de forças eleitorais. Mas, no caso de Bolsonaro, isso ocorre de forma sem precedentes, devido à aprovação do “estado de emergência” pelo Congresso, que possibilita a realização de gastos e outras ações governamentais em plena campanha eleitoral.





 

Nesse cenário, o que pode fazer a diferença é a tal capacidade de liderança intelectual e moral da sociedade. Lula chegou a exercê-la, em razão da alta rejeição de Bolsonaro, até o resultado das urnas de 2 de outubro. Já no primeiro turno, revelou dificuldades nos debates para lidar com as agendas negativas do mensalão e do escândalo da Petrobras. Juridicamente, a Operação Lava-Jato morreu de morte matada, mas a questão ética está vivíssima em termos eleitorais, como comprova a eleição do ex-juiz Sergio Moro ao Senado, pelo Paraná. Esse é o maior obstáculo a ser enfrentado por Lula no segundo turno contra Bolsonaro.