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Estado de Minas ENTRE LINHAS

O estranhamento de torcer pelo Brasil sem vestir a camisa verde-amarelo

O Catar é um dos países com os quais o presidente Jair Bolsonaro conseguiu manter relações bem amistosas


25/11/2022 04:00 - atualizado 25/11/2022 09:27

A camisa da Seleção virou espécie de uniforme da extrema-direita, que protesta à frente dos quartéis
A camisa da Seleção virou espécie de uniforme da extrema-direita, que protesta à frente dos quartéis (foto: BERNARDO ESTILLAC/EM/D.A PRESS)

Havia uma expectativa de que a Copa do Mundo de Futebol no Catar mudasse o clima político no pais, mas ainda não é o que está acontecendo. Vamos ver se os jogos da nossa Seleção, que estreou com os pés de Richardson fazendo dois gols, um dos quais uma pintura, contribuirão para criar novo clima de diálogo e convivência, em que todos estejamos do mesmo lado, ao torcer pelo Brasil. Não vejo em ninguém um sentimento antipatriótico, de rejeição à Seleção de Tite, mas também não vejo a mesma sensação de pertencimento e identidade com a camisa canarinho como em outras copas. É muito esquisito!

Talvez o Catar fique longe demais, a maioria conhece muito pouco esse emirato, que é considerado o país mais rico do mundo. Protetorado britânico, após a queda da Império Otomano, o Catar é governado há 150 anos pela mesma família, que manteve o poder com mão de ferro após a independência, em 1971. Petróleo, gás e alumínio garantem ao país receitas muito superiores ao que gasta com importações, principalmente de bens de consumo, de alimentos que o deserto não oferece de carros de alto luxo.

Doha, a capital, é uma das cidades mais modernas do mundo, com seus prédios altíssimos e arrojados, fruto de uma política cujo objetivo é transformar o emirato num polo turístico, comercial e financeiro. O velho conceito de Peter Ducker, de que as cidades devem ser boas para morar, trabalhar e visitar, simultaneamente, deve ter inspirado a modernização da cidade, considerada uma das mais seguras do mundo.

O Catar é um dos países com os quais o presidente Jair Bolsonaro conseguiu manter relações bem amistosas. Havia uma forte conexão entre a autocracia local e o projeto iliberal bolsonarista, que acabou derrotado nas urnas pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Obviamente, não tem sentido romper os laços comerciais e econômicos que foram estabelecidos na vista de Bolsonaro aos emiratos, mas nosso rumo político tem outros paradigmas, cujo eixo é o Estado democrático e não o direito divino ditado pelo Alcorão.

Vale a pena examinar melhor o contexto em que a Copa se realiza. O Catar está entre os países do Oriente que se lançaram arrojadamente na globalização, sendo um dos líderes da corrida mundial para reinventar o Estado de forma a torná-lo mais eficiente e produtivo, tendo como modelo o capitalismo de estado de Cingapura. O fato de ser uma monarquia autoritária, com grande disponibilidade de recursos, facilita muito as coisas. Entretanto, não pode servir de paradigma para nós.

Somos um país democrático do Ocidente, com uma população muito mais numerosa e território de dimensões continentais. Nossa sociedade não segue rígidos padrões de comportamento ditados por dogmas religiosos, como é o caso das sociedades muçulmanas. Além disso, o Qatar tem numa espécie de apartheid no qual os trabalhadores estrangeiros não têm os mesmos direitos que os demais cidadãos do ponto de vista social. Um abismo social separa a elite árabe dos trabalhadores estrangeiros, entre os quais indianos, malaios, nepaleses e coreanos.

Todos juntos


A Copa do Mundo do Catar vai desnudar essas duas realidades para o mundo. Com certeza, mas também há um abismo social entre aqueles que estão lá, assistindo os jogos nos seis magníficos estádios construídos para Copa e os milhões e milhões de torcedores brasileiros, que assistem os jogos pela tevê e redes sociais. Obviamente, a imprensa ocidental não se limitará à cobertura esportiva, mostrará o outro lado a realidade do país que tem a maior renda per capitã do mundo.

Mas, voltando ao futebol, vamos ver se com a vitória do Brasil de 2 a 0 contra Sérvia faz a torcida brasileira pegar no tranco. Como disse, é sensação ainda é muito estranha, por causa da polarização política existente e do fato de que a camisa da Seleção Brasileira virou uma espécie de uniforme da extrema-direita bolsonarista, que protesta à frente dos quartéis e dos caminhoneiros que bloqueiam as estradas.

Ontem, no primeiro jogo do Brasil, era nítida a preocupação dos que ganharam as eleições com o fato de que poderiam ser confundidos com os derrotados, por causa do uniforme canarinho. Na década de 1970, a Seleção Brasileira daquela época era uma unanimidade, mas o “pra frente Brasil;”, slogan da Seleção, foi usado pelo regime militar para estigmatizar a oposição como antipatriótica, na base o “ame ou deixe-o”.

Não é o caso agora. Muitos deixam de usar a camisa da Seleção para não serem confundidos com os bolsonaristas raiz, que a transformaram em uniforme político, sequestrando um dos símbolos de nossa identidade nacional. É uma bobagem, talvez seja a honra de mostrar que somos todos brasileiros e temos direito a usá-la, não importam as convicções políticas e religiosas.
 

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