Jornal Estado de Minas

ENTRE LINHAS

Corrida para pagar o Bolsa-Família de R$ 600

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis

O Senado deve apreciar hoje a chamada PEC da Transição, aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça, com três mudanças que deverão ser consolidadas em plenário: o espaço adicional extrateto de gastos caiu dos R$ 175 bilhões iniciais para R$ 145 bilhões, para acomodar o Bolsa-Família (atual Auxílio Brasil); o prazo de vigência dessas regras foi reduzido de quatro para dois anos; e o prazo para o governo Lula encaminhar ao Congresso uma proposta de nova âncora fiscal passou de um ano para oito meses.





Tudo está dentro do script das negociações no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), está empenhado na aprovação da proposta e lidera pessoalmente as negociações de bastidor. O relator da matéria, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), propôs também mais R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de arrecadação de receitas extraordinárias. Na prática, o gasto extra será de R$ 168 bilhões com o aumento de arrecadação, fenômeno previsível por causa da inflação.

 Com a PEC da Transição, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, também poderá cumprir a promessa de parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até 6 anos na família. Como o novo governo pretende fazer um pente fino na concessão do Auxílio Brasil e restabelecer os padrões de cadastramento do Bolsa-Família, é possível que a folga orçamentária possibilite também honrar outros compromissos eleitorais: Farmácia Popular, reajuste da merenda escolar e do salário mínimo, e retomada dos programas de moradia popular.

A PEC precisa de pelo menos 49 votos favoráveis, em dois turnos, para ser aprovada no Senado. Estima-se que o presidente Lula já tenha garantidos de 54 a 55 votos no plenário, ou seja, cinco ou seis a mais do que os 49 necessários. Aprovada hoje, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados, onde a resistência será maior, principalmente com relação à vigência da proposta por dois anos. A base do atual governo está dividida: os bonapartistas raiz não querem conceder o extrateto; o Centrão pressiona para que a medida tenha vigência por um ano, para obrigar o presidente Lula a fazer nova rodada de negociações sobre o valor das emendas orçamentárias no final do seu primeiro ano de mandato.





É uma corrida contra o tempo, porque a PEC precisa ser aprovada antes da votação do Orçamento da União de 2023. A emenda constitucional é importante porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe criar despesa ou expandir políticas públicas sem antes apontar uma fonte de financiamento para isso. No projeto do orçamento da União elaborado pelo governo Bolsonaro há recursos para pagar apenas R$ 405 mensais de Bolsa-Família, uma despesa da ordem de R$ 105 bilhões. Para pagar os R$ 600 e conceder R$ 150 por criança, prometidos por Lula na campanha eleitoral, são necessários mais R$ 70 bilhões.

Dar e receber


O busílis da aprovação da PEC da Transição é a liberação das emendas do orçamento secreto, cujo pagamento foi suspenso por Bolsonaro em retaliação ao acordo do Centrão com Lula para aprovar a emenda, cujo texto garante a liberação de R$ 23 bilhões em investimentos já neste ano, ou seja, pagar as chamadas Emendas do Relator, eufemismo para o orçamento secreto. Bolsonaro abriu as burras do governo para vencer as eleições, ampliou o espectro de atendidos pelo Bolsa- Família, a concessão de aposentadorias e a liberação de empréstimos da Caixa Econômica Federal nos meses que antecederam as eleições.

Bolsonaro pretendia fazer um ajuste fiscal e queimar ativos, como a venda da Petrobras, para cobrir o rombo das contas públicas durante seu governo. A cada dia que passa, a equipe de transição vem se dando conta da real situação do governo em termos de financiamento das políticas públicas. O cenário é desolador e exigirá escolhas difíceis para Lula. A principal delas, porém, já foi feita com a PEC da Transição: ouvir o clamor das ruas, e não os conselhos dos que defendem a manutenção do teto de gastos como âncora fiscal.





Com exceção dos bolsonaristas raiz, que são contra a PEC para sabotar o novo governo, e dos ultraliberais, que defendem o arrocho fiscal a qualquer preço, a maioria dos deputados pretende aprovar a PEC e liberar recursos para suas emendas. Mas não por dois anos. O Centrão prefere negociar o financiamento dos programas sociais do governo Lula a cada ano, na aprovação do Orçamento da União, na base do “é dando que se recebe”. O princípio de São Francisco de Assis, em sua famosa oração, porém, não se refere a bens materiais, mas espirituais: “Ó Mestre,/ fazei que eu procure mais:/ consolar, que ser consolado;/ compreender, que ser compreendido;/ amar, que ser amado./ Pois é dando, que se recebe./ Perdoando, que se é perdoado e/ é morrendo, que se vive para a vida eterna!/ Amém”.