Jornal Estado de Minas

ENTRE LINHAS

O presidente eleito Lula não pode ter "ilusão de classe" nem errar demais

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Houve um tempo em que a expressão “ilusão de classe” era um jargão da esquerda. Caiu em desuso porque estava relacionada à ideia de que o “ser operário” era a “classe geral”, historicamente destinada a libertar todos os explorados e oprimidos. Como a classe operária está em extinção, substituída por robôs e algoritmos, a expressão perdeu o sentido que tinha antes. Mas há muitas formas de ilusão, uma delas é acreditar que a elite política e econômica do país e a classe média estão de bem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vão executar uma política de combate às desigualdades sociais, num país de passado escravocrata, que fez quase todos os ciclos de modernização de forma excludente e autoritária, exceto nos governos de Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso. Não estão satisfeitas, será preciso que o governo Lula dê certo.





Entretanto, quem ganhou a eleição foi o Lula. No jogo democrático, seu mandato vai até 2026. Apostar no fracasso de Lula, num cenário de profunda crise social e dificuldades econômicas, com uma oposição feroz, liderada pelo presidente Jair Bolsonaro, quando 32% dos eleitores apoiam uma intervenção militar, é um equívoco político monumental. O “quanto pior, melhor” leva água para o moinho da extrema-direita e não da chamada “terceira via”. Lula se beneficiou da polarização para derrotar Bolsonaro, porque a consciência democrática da sociedade decidiu o segundo turno das eleições em seu favor. Mas essa polarização não interessa mais à sociedade, a eleição já passou, nem ao novo governo, só interessa à oposição, que explora os erros de Lula na montagem de sua equipe ministerial.

Vamos falar francamente. Existe um “conflito distributivo” no Brasil, no qual a sociedade transfere renda para o Estado (questão fiscal) e os pobres para os mais ricos (questão social), ao lado das desigualdades de gênero (principalmente a condição feminina) e do racismo estrutural (discriminação e preconceito contra o “povo preto”), que também impactam a renda das famílias. O que elegeu Lula foi a junção da questão social com a questão democrática (política), em detrimento da fiscal. Ou seja, uma disputa política na qual a parcela pobre da população, negros e mulheres, majoritariamente, mas muito majoritariamente, confrontaram a elite política e econômica do país e a classe média, profissionais liberais e empreendedores, principalmente. Lula venceu com apoio dos assalariados e dos sem renda.

Por isso mesmo, não pode perder esse apoio. Quando faz sua opção preferencial pelos pobres, define um rumo político para o governo e busca uma solução para o conflito, que não é possível no cenário atual. Ou retomamos o caminho do desenvolvimento e aumentamos a produção de riquezas, de maneira a enfrentar o problema das desigualdades, ou será impossível morder o bolso dos mais ricos e enriquecer a classe média emergente para ter seu apoio. O governo precisa ampliar sua sustentação social.




Precipitação

Sem base social robusta, na ordem democrática, o que segura o governo são as instituições, em particular o Congresso. É aí que entra a dura negociação com o Centrão, a força política que controla a agenda da Câmara e o chamado orçamento secreto, que nada mais é do que um pacto perverso e fisiológico, acoplado aos fundos partidário e eleitoral, que reproduz os mandatos e eterniza os donos de partido. A concentração de poder nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-MG), coincide com a formação de uma “partidocracia”, por meio de fusões e federações partidárias, que distanciará e provocará mais ojeriza aos políticos na sociedade. Esse é o caldo de cultura dos movimentos antissistema e do golpismo

Lula acertou mais do que errou na campanha eleitoral, mas está errando mais do que acerta na arquitetura de seu governo. Por exemplo, com 1,4 bilhão de habitantes, a China tem 26 ministérios; os Estados Unidos, com 337 milhões de habitantes, têm 15 departamentos executivos, que equivalem a ministérios; o Paquistão, com 234 milhões, tem 24 ministros; já a Nigéria, com 216 milhões de habitantes, tem 28 ministérios e 48 ministros; e a Índia, com 1,4 bilhão de habitantes, 61 ministérios, o mais recente o da Yoga e Homeopatia. Lula está montando uma estrutura administrativa mais próxima dos modelos da Índia e da Nigéria, com cerca de 40 ministérios. O critério não é a qualidade e produtividade da gestão, é o arranjo e a acomodação políticas, mesmo que não aumente o número de cargos.

Além disso, a conciliação com o orçamento secreto terá um custo político mais alto a longo prazo. Lula está cedendo à chantagem do Centrão quanto aos compromissos assumidos por Bolsonaro e não cumpridos. Cometeu o erro de assumir a condução política do seu governo antes da posse. Não precisava aumentar o teto de gastos por emenda constitucional, para garantir o Bolsa-Família. Deveria deixar o fechamento das contas de 2022 para o atual governo, empurrar com a barriga a aprovação do Orçamento da União e resolver o problema dos R$ 600 do Bolsa-Família mais R$ 150 por criança até 6 anos por medida provisória, no primeiro dia de mandato. A Lei Orçamentária diz que o Executivo pode gastar até 1/12 por mês até a aprovação do Orçamento.