Jornal Estado de Minas

ENTRE LINHAS

PCB, da luta armada à defesa da democracia

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Biógrafo do jornalista Carlos Castelo Branco (“Todo aquele imenso mar de liberdade”) e do senador Teotônio Vilela (“Senhor República”), o escritor e jornalista político Carlos Marchi lança hoje o seu mais novo livro: “Longa jornada até a democracia” (Fundação Astrojildo Pereira), o primeiro volume de uma história dos 100 de fundação do Partido Comunista Brasileiro, desde as ideias que lhe dariam origem, em 1922, até a realização do 6º Congresso, em dezembro de 1967. Será às 19h, no Beirute, tradicional reduto de estudantes, jornalistas e boêmios de esquerda de Brasília.





Quem imagina uma obra apologética e maniqueísta irá se surpreender. O livro conta a história do PCB como quem prepara o peixe com o olho no gato e o outro na frigideira. O duplo olhar de Marchi contextualiza o papel do PCB na história do Brasil e, ao mesmo tempo, mostra as contradições de seus dirigentes com a antiga União Soviética e entre eles próprios. Um processo no qual uma das vítimas foi o próprio fundador do partido, o jornalista e escritor Astrojildo Pereira, que caiu em desgraça após uma viagem a Moscou, em 1930, mesmo depois de capitular diante dos dirigentes do Comintern, que consideravam muito próxima uma revolução no Brasil.

Havia, sim, uma revolução em gestação, mas era a de 1930, liderada por Getúlio Vargas, com adesão dos líderes tenentistas. Entretanto, não obteve apoio de Luiz Carlos Prestes, que havia se aproximado dos comunistas. Astrojildo lhe entregara uma mala de obras marxistas durante o exílio do comandante da Coluna Prestes, na Bolívia. Por pura ironia, Prestes voltaria ao Brasil, anos depois, para fazer a tal revolução, enquanto Astrojildo amargava o ostracismo político:  vendia bananas e escrevia críticas literárias e ensaios sobre a sociedade brasileira.

O livro tem um olhar crítico sobre a atuação de Prestes, sem embargo de reconhecer seu papel decisivo na história do Brasil. O líder comunista teve o destino do país nas mãos em 1935, quando recusou o comando da Revolução, e em 1945, quando saiu da cadeia e decidiu apoiar Getúlio Vargas na redemocratização. Quando o ex-ditador voltou a poder, eleito em 1950, os comunistas lhe fizeram oposição. Só foram defendê-lo despois do suicídio, em agosto de 1945.





A tórrida paixão entre Prestes e Olga Benário, a judia alemã treinada pelos serviços de inteligência do Exército Vermelho e escalada para fazer sua segurança, chamava a atenção. Era um casal improvável, ele baixinho, ela muito alta, razão pela qual a volta de Prestes de Moscou para o Brasil foi uma longa viagem, que durou quatro meses e virou lua de mel.  Percorreram várias capitais europeias, atravessaram o Atlântico até Nova York, de onde desceram para Montevideo. A entrada clandestina no Brasil, com escalas em Buenos Aires e Florianópolis, foi rocambolesca.

Aggiornamento


Carlos Marchi põe o holofote nas divergências na cúpula do Comintern sobre a linha a ser adotada por Prestes e no papel de um agente inglês infiltrado no grupo de revolucionários que assessora Prestes. O alemão Johann De Graaf, que se tornaria oficial do Exército Vermelho, desembarcou no Brasil com o nome falso de Franz Paul Gruber. Foi encarregado de montar uma caixa-forte que explodiria com os documentos de Prestes e os planos da insurreição, mas isso não aconteceu. Johnny manteve os serviços de inteligência britânicos informados sobre tudo e chegou a receber uma carta de agradecimentos de Getúlio Vargas. Olga Benário, grávida quando foi presa com Prestes, foi deportada para a Alemanha. Morreu num campo de concentração nazista, onde nasceu Anita Leocádia Prestes.

Ao longo do livro, o foco de Marchi é o progressivo “aggiornamento” do PCB, da opção pela armada em 1935, ao compromisso com a democracia, na Declaração de Março de 1958. Como bom repórter, revela em primeira mão a localização do “aparelho” no qual foi realizado o 6º Congresso do PCB, em São Paulo, em 1967, quando o partido adotou a linha de frente ampla para a redemocratização do país e rechaçou a opção pela guerrilha urbana, defendida pelo líder comunista Carlos Marighela e alguns dirigentes históricos do PCB, sem chance de dar certo.





Contraditoriamente, na preparação do congresso, o dirigente comunista Salomão Malina, ex-integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e herói da tomada de Montese, na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial (recebeu a Cruz de Combate de 1ª Classe), perdeu os dedos da mão direita e teve o pulmão perfurado ao desativar uma granada defeituosa. Em coma, foi operado clandestinamente no Hospital de Clínicas. Sapador, Malina estava encarregado de garantir a fuga de Prestes caso o congresso fosse localizado pelos órgãos de segurança do regime militar. Mais tarde, seria o último secretário-geral do partido e, em 1991, apoiaria a mudança do nome e da sigla do PCB para PPS, atual Cidadania.