Uma das dificuldades para compreender o atual cenário político é a lulofobia da elite política e econômica do país, que majoritariamente apoiou a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. O hegemonismo do PT na montagem do governo, porém, fortalece esse sentimento nos setores que só apoiaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, mas tiveram um papel decisivo na derrota de Bolsonaro e seu projeto autoritário. A chave para resolver essa contradição é ampliar a base de sustentação de Lula, incorporando essas forças ao governo. Lula fará um governo democrático, com certeza, ao contrário do governo Bolsonaro. Mas com que amplitude?
A resposta é a nomeação da senadora Simone Tebet para a equipe ministerial. Havia uma expectativa de que ela fosse indicada para o Ministério do Desenvolvimento Social, que gerencia o Bolsa-Família, mas essa é uma marca do governo Lula, em grande parte responsável pela sua volta ao poder, graças às mulheres e aos mais pobres, sobretudo nordestinos. Portanto, não é nenhum absurdo que o cargo venha a ser ocupado pelo ex-governador do Piauí Wellington Dias, que governou o seu estado por quatro mandatos e foi um dos articuladores políticos da transição, sobretudo nas negociações com o Senado, para o qual acaba de ser eleito novamente.
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Do iliberalismo de Bolsonaro à partidocracia do CentrãoPCB, da luta armada à defesa da democraciaO presidente eleito Lula não pode ter "ilusão de classe" nem errar demaisO pacto de Bolsonaro com os violentosNatal, a vitória da luz sobre a escuridãoFalta a Lula anunciar os ministros da frente amplaLula tem dito a interlocutores que irá nomear petistas para metade do governo e compartilhar a outra metade com os aliados. Entre os petistas, tem descartado os senadores com mais experiência e influência na Casa, presidida pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é o seu aliado principal no Congresso. O Senado é uma trincheira para conter o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). E prestigiado aqueles que foram mais solidários com ele durante a sua prisão e/ou exerceram peso eleitoral muito importante na campanha eleitoral. Tropas de assalto, porém, não são boas tropas de ocupação, diz um velho jargão militar. Lula sabe disso.
O núcleo dirigente do PT é o círculo mais próximo de Lula: Gleisi Hoffman, a presidente do partido, que permanecerá na Câmara, ao lado do deputado Rui Falcão. Aloizio Mercadante foi indicado para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva é cotado para a Secretaria de Comunicação da Presidência. Lula cercou-se de petistas e aliados com grande experiência administrativa: o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad na Fazenda, o ex-governador da Bahia Rui Costa na Casa Civil, o ex-governador do Maranhão Flávio Dino (PSB) na Justiça, e o ex-presidente do tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro, um político conservador, na Defesa.
Coalizão democrática
Se considerássemos apenas os nomes anunciados até agora, com boa vontade, teríamos um governo popular, com o perfil de frente única da esquerda tradicional na década de 1930. Mas Lula deve anunciar hoje os nomes dos demais ministros, cuja divulgação adiou para esperar a votação da PEC da Transição na Câmara. A simples nomeação de Simone Tebet para um ministério importante já mudará a natureza do governo, que ganha o caráter de coalizão democrática de centro-esquerda. As possibilidades de ampliar ainda mais o governo seriam entregar o Ministério da Fazenda a um representante do sistema financeiro, opção já descartada, ou um pedaço suculento da Esplanada, principalmente o Ministério da Saúde, ao presidente da Câmara, Arthur Lira. O indicado era o relator da PEC da Transição, Elmar Nascimento (União-BA), mas Lula não aceitou. Mais pela forma como a proposta foi feita, na base do dá ou desce, do que pela intenção de excluir o PP.
A votação da PEC na Câmara, ontem, mostrou um racha no Centrão, com o PL de Valdemar Costa Neto e Jair bolsonaro fora do acordo feito por Lira com os líderes de bancada. O racha no Centrão é alvissareiro para Lula, principalmente se levarmos em conta a composição futura da Câmara, na qual o PL terá a maior bancada, com 99 deputados. A federação PT-PCdoB-PV terá 80 deputados (PT com 68, PCdoB com 6 e PV com 6). A terceira opção para ampliar o governo seria a incorporação da federação PSDB-Cidadania, mas o PSDB, ao contrário do Cidadania, já se pôs na oposição. E tenta ampliar a federação com o Podemos para servir de cabeça de ponte à candidatura do governador gaúcho eleito Eduardo Leite, em 2026. Obviamente, uma carroça à frente dos bois.