São Paulo terá a disputa de poder de maior amplitude política e ideológica do país em 2024. O ex-ministro e deputado federal Ricardo Salles, do PL, confirmou que concorrerá ao cargo de prefeito paulistano, após chamar uma reunião da bancada federal do partido de seu estado e ser apoiado por todos os colegas de mandato. Representa com mais nitidez a direita brasileira, pelas decisões tomadas e polêmicas em que se envolveu. Salles é o farol ideológico do bolsonarismo real. Seu principal adversário ideológico é o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e deputado federal Guilherme Boulos, o candidato da esquerda, principalmente de suas alas mais radicais. Sob o manto do Psol, uma confederação de dissidências do PT que deu certo, Boulos está em campanha para prefeito de São Paulo desde 2020, quando disputou o segundo turno com o tucano Bruno Covas. Para o próximo ano, conta com o apoio declarado do presidente Lula, desde a disputa contra Bolsonaro no ano passado.
Entretanto, a disputa não reproduz a priori a polarização ideológica ocorrida em 2022. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) é candidato à reeleição. Prepara mudanças na administração com esse objetivo, principalmente na comunicação das realizações de sua gestão. Sem ter passado em primeiro plano pelo crivo eleitoral de 2020, quando era um discreto vice de Covas, Nunes tem o desafio de aumentar sua popularidade e aproveitar a vantagem estratégica do cargo para gerar mais expectativa de poder que os adversários, antes de a campanha eleitoral começar. O desafio é construir um perfil político administrativo que lhe dê mais pegada eleitoral, numa cidade cujo maior e mais desgastante problema social, hoje, é a existência de 40 mil moradores de rua. Com um orçamento recorde de R$ 96,5 bilhões e 1,8 milhão de empresas ativas, a capital paulista sedia 63% das empresas estrangeiras instaladas no Brasil.
Sua administração vem sendo reconhecida pela elite paulista, não coleciona escândalos de corrupção e mantém uma excelente relação com os vereadores da cidade, inclusive os do PT, até porque era um deles. Salles e Boulos, porém, conhecem bem a cidade e são muito agressivos. Além disso, Nunes não é um político durão como seus adversários, tem o perfil do boa praça. Entretanto, mesmo dedicado à complexa administração da cidade, cujas eleições costumam ser nacionalizadas, ninguém sabe qual o espaço que ocupará na disputa de 2024. No ano passado, Lula venceu o primeiro turno com 3,2 milhões de votos (47,5%), enquanto Bolsonaro teve 2,6 milhões (37,9%). Simone Tebet, apoiada por Nunes, obteve 558 mil votos (8,1%). Para o Palácio dos Bandeirantes, no segundo turno, apoiou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) contra o petista Fernando Haddad (PT), atual ministro da Fazenda.
Nunes aproxima-se de Tarcísio de Freitas, eleito pela longa mão do bolsonarismo, mas apoia o governo Lula, em linha com o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP). Conta também com a ex-prefeita Marta Suplicy na sua equipe de governo. Secretária de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo, uma aliada estratégica, a ex-petista é uma força eleitoral importante, querida nos bairros populares e bem relacionada com os paulistas quatrocentões. Marta acaba de chegar de uma viagem internacional de 16 dias, na qual passou por Madri, Tóquio e Dubai, com um projeto de projeção econômica e cultural da capital paulista no plano internacional, que pode atrair investimentos e mexe com a autoestima da cidade.
Nesse cenário, Nunes tenta ampliar os espaços políticos para sua reeleição. Para isso, precisa deslocar do centro seus adversários eleitorais. Salles é o candidato bolsonarista, mas não necessariamente de Tarcísio, que procura se distanciar do radicalismo de Bolsonaro. Essa aliança com Tarcísio travaria o crescimento de Salles, apesar do grande poder de transferência de votos do ex-presidente da República.
À esquerda, o prefeito paulista busca uma reaproximação com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ex-prefeito da cidade, que não pretende concorrer à prefeitura paulista mais uma vez e sofre com o “fogo amigo” da esquerda petista e do Psol. O sucesso nessa aproximação neutralizaria o avanço de Boulos em direção ao centro, confinando-o à esquerda mais radical
O grande empecilho para é a briga entre ex-prefeito Gilberto Kassab, homem forte do governo paulista, e o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite, duas grandes âncoras políticas na capital. Do ponto de vista político. as bordas da eleição municipal em São Paulo já estão definidas. Nunes tenta construir um arco de alianças que pode fazer a chamada “terceira via” renascer das cinzas na maior cidade do país.