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Macron vive dias de Thatcher com reforma na França

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Os franceses gostam de resolver suas contradições nas ruas, desde a Revolução de 1789, que acabou com o Antigo Regime dos privilégios da aristocracia. A Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, espalhou a revolução por toda a França e mudou a História do Ocidente. Mutualistas e coletivistas, os trabalhadores franceses voltariam às barricadas em 1871, na Comuna de Paris, tomando o poder sem estarem preparados para isso. Mesmo assim, o assalto aos céus passou a ser o objetivo dos trabalhadores europeus, que se dividiram em duas grandes correntes: a social-democrata e a comunista.





Para isso, a formação dos partidos operários contribuíram para as teses do judeu-alemão Karl Marx, sustentadas na Conferência de Londres da I Internacional Socialista, em 1871: “Em sua luta contra o poder reunido das classes possuidoras, o proletariado só pode se apresentar como classe quando constitui a si mesmo num partido político particular, o qual se confronta com todos os partidos anteriores formados pelas classes possuidoras”.

O Partido Trabalhista britânico surgiu fortemente influenciado por essas ideias. Chegou ao poder em 1924, como partido de base operária, reformista, liderado pelo primeiro-ministro Ramsay MacDonald. Após a Segunda Guerra Mundial, o “Estado de bem-estar social” britânico viria a se reproduzir por quase toda a Europa.

Quando a conservadora Margaret Thatcher derrotou os trabalhistas e assumiu o poder, em 1979, a Europa estava em recessão econômica, com inflação alta, muito desemprego e crise energética. A seguridade social britânica foi posta em xeque: a reforma da previdência excluiu 15 milhões de segurados, que dela saíram para os fundos de pensão; restaram 6,5 milhões de trabalhadores de baixa renda.





Primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro britânico, com mão de ferro, Thatcher realizou reformas liberais para reduzir os impostos e diminuir o poder dos sindicatos. Seu primeiro governo foi marcado por diversas greves e manifestações dos sindicatos trabalhistas, mas o desemprego minou a resistência. Apesar disso, sua intervenção nas Guerras das Malvinas (Guerra entre Inglaterra e Argentina), em 1982, aumentou sua popularidade.

Thatcher conseguiu sua primeira reeleição em 1984 em decorrência desse fato. No segundo mandato, Thatcher promoveu um programa de privatizações das empresas estatais e continuou combatendo de forma radical os movimentos sindicais trabalhistas. O êxito de sua receita neoliberal se espalhou pelo mundo, principalmente depois de adotada por Ronald Reagan.

Viver a vida


A reforma da Previdência de Emmanuel Macron nem de longe segue a receita de Margaret Thatcher, mas o seu enfrentamento com os sindicatos tem a mesma proporção. Ao pretender aumentar por decreto a idade mínima para a aposentadoria 62 para 64 anos, o presidente francês viu o povo voltar às ruas como os antigos revolucionários, fazendo barricadas e ateando fogo ao que encontrasse pela frente. Na verdade, a França tem um sistema previdenciário que se tornou insustentável devido às mudanças demográficas. O gasto público chega a 55% do Produto Interno Bruno (PIB), dos quais 14,7% correspondem às aposentadorias.





Entretanto, a redução da idade mínima para aposentadoria de 65 para 60 anos sempre foi uma bandeira da esquerda francesa, que alcançou esse objetivo no governo de François Mitterrand, do Partido Socialista. O sonho de consumo do francês comum é se aposentar para viver a vida e conhecer o mundo. Sem apoio na Assembleia francesa para fazer a reforma, o governo anunciou que pretende recorrer ao artigo 49.3 da Constituição e implantá-la por decreto.

A principal crítica à reforma é não usar como referência o tempo de contribuição, mas o da idade. Isso prejudicaria muito mais os trabalhadores de baixa renda, que geralmente começaram a trabalhar muito mais cedo. A mobilização contra a reforma não é monopólio dos sindicatos e dos partidos de esquerda, que organizam as greves. Os partidos de ultradireita, como o Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, que foi derrotada por Macron no segundo turno da última eleição, também foram às ruas contra a reforma e mobilizam seus eleitores. Cerca de 57% dos assalariados e 67% dos trabalhadores braçais votaram na direita.

Entretanto, a grande estrela dos protestos é um garoto de 15 anos, Manès Nadel, aluno do Liceu Buffon, em Montparnasse, Paris. Filho de um economista e de uma funcionária pública, único ativista de cinco irmãos, o líder secundarista construiu uma narrativa que surpreende os analistas: “Para nós, defender os serviços públicos, a segurança social, as pensões e o nosso modelo social significa a proteção dos mais pobres”, disse à France Télévisions.  

“Especialmente quando houver o aquecimento global, que também os atingirá primeiro. Nesse momento, serviços públicos fortes serão necessários. E quando estamos lutando contra a regressão social, estamos lutando por isso também”, completou. Embora negue qualquer vínculo partidário, o jovem foi flagrado pela mesma emissora que o entrevistou assobiando “A Internacional”, a canção escrita em francês em 1871, por Eugène Pottier (1816-1887), um dos membros da Comuna de Paris, como paródia d’A Marselhesa. Só em 1888, Pierre De Geyter (1848–1932) transformou o poema em música, que se tornaria o hino da antiga União Soviética.