Responsabilidade fiscal com responsabilidade social, esse é binômio da política econômica do governo Lula, reiterado ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet. A tradução técnica dessa política é o novo “arcabouço fiscal”, como vem sendo chamado o mecanismo adotado para enfrentar o problema do déficit público com gradualismo, sem um choque fiscal que jogaria o país numa crise social ainda maior do que a que já existe. A nova regra fiscal substitui o teto de gastos, a emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior, que caducou durante a pandemia de COVID 19.
O anúncio foi feito no Congresso, tendo boa repercussão no mercado e na opinião pública. Entre os políticos da oposição, a primeira reação foi deixar a proposta decantar no mercado, para aprová-la ou não, dependendo da reação. A proposta prevê metas de superavit primário flexíveis, com uma banda de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) de ajuste para cima ou para baixo. Segundo Haddad, essa margem de manobra permitirá o fechamento do exercício fiscal do Orçamento da União com mais segurança, sem medidas atabalhoadas. A adoção de um mecanismo anticíclico daria mais flexibilidade para a gestão da economia em conjunturas radicalmente distintas, ao permitir correções de rota em momentos de necessidade.
Falta ainda combinar com os beques. O governo precisa mandar o texto da emenda constitucional para o Congresso e convencer deputados e senadores de que a proposta é eficaz. Também precisa superar a má vontade dos agentes econômicos, o “instinto animal” que faz os empresários deixarem de investir, temendo um desarranjo econômico.
No governo, o assunto também não foi pacífico, refletindo a queda de braços entre o ministro Haddad e a cúpula petista, principalmente a presidente do PT, Gleisi Hoffman, e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, que gostariam de uma política mais expansionista. Com o apoio de Lula, Haddad venceu a queda de braços.
Agora, a resistência vai mudar de lado. Enquanto o governo se unifica, os setores que não querem arcar com os custos da inclusão dos mais pobres no Orçamento da União vão se mobilizar. Bolsa-Família, aumento real do salário mínimo e ampliação de gastos com a educação e a saúde, principalmente, vão consumir boa parte das receitas disponíveis. Ao anunciar uma ampliação da base de arrecadação de impostos, Haddad remeteu essa disputa para a reforma tributária.
É a política
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, recebeu a proposta de forma positiva. É bom sinal, porque a taxa de juros de 13,75%, mantida pela instituição, vem sendo alvo de críticas públicas do presidente Lula e dos seus aliados. Se o novo arcabouço for aprovado e der certo, os juros poderão baixar. Por força dos mandatos que receberam, Campos Neto forma com o procurador-geral da República, Augusto Aras, a dupla de altas autoridades sobreviventes do governo Bolsonaro,
O nome já diz, economia política. Apesar de se basear em números e muita econometria, a economia não é uma ciência exata. Obedece a algumas regras universais aceitas por todos, mas não existe unanimidade. Há muita controvérsia sobre a situação estrutural da economia brasileira, principalmente em relação ao déficit público e à política de juros. Entretanto, cada modelo econômico escolhe perdedores e ganhadores. Quando Lula resolve contemplar em seu projeto de governo a grande massa de eleitores com renda até 2 salários-mínimos, que garantiram sua eleição, faz uma redistribuição da renda nacional.
Os economistas liberais não acreditam no sucesso dessa política, que consideram populista. Preferem preservar o chamado “mais do mesmo”: controle de gastos, meta de inflação e câmbio flutuante. Responsável pelo controle da inflação, Campos Neto é um neoliberal e não vacila, prefere os juros altos para controlar a inflação, mesmo que isso venha a provocar recessão.
Desenvolvimentistas pensam diferente. Como vivemos num país subdesenvolvido, segundo esses economistas, a política econômica exige soluções criativas, que levem em conta as desigualdades sociais e regionais, o atraso tecnológico, a ausência de crédito e financiamento e a posição subordinada na hierarquia monetária. Celso Furtado, o papa dos nossos desenvolvimentistas, dizia que o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento econômico, mas uma construção histórica e social. O atraso e a iniquidade social fazem parte do modelo político que o reproduz.