A mais bem-sucedida experiência desenvolvimentista pós Segunda Guerra Mundial foi a dos chamados Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Taiwam. Governos intervencionistas protagonizaram a transformação desses países de economias estagnadas em países dinâmicos e industrializados, cada qual ocupando um papel específico na nova divisão internacional do trabalho. Na sequência, vieram Malásia, Tailândia, Indonésia, com modelos semelhantes, e a China, que saiu do “comunismo de guerra” de Mao Tse Tung para o “capitalismo de estado” de Deng Hsiao Ping. Hoje, é o Vietnã que envereda com sucesso por esse mesmo caminho.
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Ao contrário do que ocorreu na Ásia, na América Latina e na África o modelo desenvolvimentista fracassou, em meio a crises políticas, muita corrupção e atraso cultural. O tratamento preferencial e protecionista dado às empresas e setores, por meio de isenções tributárias e incentivos econômicos, não produziu o mesmo resultado, porque a proteção do Estado não teve como contrapartida o desempenho.
A reprodução de modelos políticos oligárquicos e excludentes no “capitalismo de compadrio” pôs tudo a perder, inclusive no Brasil. Pode-se argumentar que o sucesso na Ásia se deve a governos autoritários, o que em parte é verdade, mas não é uma lei universal; aqui tivemos o auge do capitalismo de Estado no Brasil durante o regime militar e o modelo fracassou. Entrou em colapso porque adensou de mais as cadeias de produção sem integrá-las às cadeias globais de valor, numa economia autárquica.
A crise financeira asiática, nos anos 1990, parecia ter posto em xeque o modelo desenvolvimentista, mas o crescimento da China acabou alavancando todas as economias asiáticas, seja pela associação direta, como no caso do Vietnã, seja pelo seu impacto na economia regional e global, como na Indonésia e Tailândia. A China pegou o bonde da revolução tecnológica, da economia do conhecimento e da inteligência artificial, está se tornando um país rico, com uma classe média numerosa. Hoje, as economias de China e Estados Unidos têm tamanhos parecidos.
A conta
O consenso econômico atual atribui ao Estado o papel de regulação da economia, “só deve intervir para corrigir falhas no sistema que a iniciativa privada sozinha não tem como resolver”. Basta garantir que os tribunais funcionem, que os contratos sejam respeitados e o direito à propriedade protegido. A estabilidade macroeconômica deve ser considerada um valor. Ao Estado cabe cuidar da infraestrutura, da saúde e da educação dos mais pobres, “pero no mucho”. O resto o mercado resolve. Na verdade, tudo isso foi levado em conta pelos países asiáticos. Onde está o nó?
Esse é o pano de fundo da discussão sobre o novo arcabouço fiscal apresentado ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), que busca conciliar a urgência das demandas sociais a com as necessidades de controle da dívida pública. O governo Lula se comprometeu a melhorar ano a ano as suas contas, chegando a um superávit primário de 1% do PIB em 2026, seu último ano de mandato. As despesas subirão, no máximo, 2,5% ao ano, descontada a inflação. As críticas ao modelo se concentram no piso de 0,6% para o crescimento das despesas, que Haddad espera compensar com a taxa de crescimento da economia e a reforma tributária.
O ex-presidente Jair Bolsonaro deixou com o país numa trajetória explosiva de endividamento público, que subiria de 72,9% do PIB, no ano passado, para 95,3%, em 2032. Uma alta de 22,4 pontos em 10 anos. O projeto da equipe econômica do novo governo, no pior cenário, prevê a estabilização da dívida em 85% no mesmo período. Ou seja, dez pontos a menos. Entretanto, se tudo der certo, a dívida se estabilizará em 77% do PIB a partir de 2025.
O que preocupa os críticos da proposta são as condições para que isso dê certo no cenário positivo, o crescimento e a arrecadação; o cenário negativo é o aumento da inflação, que ninguém deseja. Quem está contra o novo "arcabouço fiscal" defende o corte de despesas do governo, que sempre é possível, mas tem alto custo social e político. Incluir os mais pobres no Orçamento é uma obviedade, porque foram eles que ganharam a eleição ao escolher o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sem inflação, alguém tem que pagar essa conta. São os setores privilegiados da sociedade, inclusive setores empresariais protegidos pelo Estado, sem a devida contrapartida em termos de metas de qualidade e produtividade. Vem daí o lobby contra a proposta e pelo corte de gastos. É um conflito distributivo da renda nacional, que tende a se acirrar durante o governo Lula, se um novo modelo de desenvolvimento, ajustado à nossa realidade, não for posto na mesa para discussão com a sociedade. Um novo consenso econômico só será possível com mais crescimento, modernização da economia e aumento da renda das famílias.