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Invasão do Planalto em 8 de janeiro agora tem duas narrativas

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“Tabloide americano”, o melhor romance dos EUA de 1996, de James Ellroy, descontrói o sonho americano ao descrever uma trama política golpista e mafiosa, cujo desfecho foi o assassinato de John Kennedy, em Dallas, no dia 22 de novembro de 1963. No gênero noir, desnuda os bastidores glamourosos da Casa Branca.





Entre os personagens históricos, além do presidente assassinado, que à época mantinha um romance tórrido com Marilyn Monroe, estão o magnata Howard Hughes, um paranoico drogado, e Frank Sinatra, traído pela mulher Ava Gardner. O senador Robert Kennedy investiga a Máfia, o poderoso chefe do FBI, J. Edgard Hoover, investiga o presidente da República, a CIA investiga todo mundo. O inimigo principal dos EUA era Fidel Castro, o líder da Revolução Cubana.

Cinco anos depois, em “6 mil em espécie”, Ellroy retoma o fio da história, a partir do dia do assassinato de Kennedy, em Dallas e descreve uma conspiração que vai do crime organizado aos políticos de direita. Wayne Junior, um tira de Las Vegas, chega a Dallas no dia do assassinato de Kennedy, com 6 mil dólares em espécie no bolso, com a função de matar um cafetão negro.

Encontra dois personagens de “Tabloide Americano”: Ward Littell, ex-agente do FBI, advogado de Howard Hughes, e Pete Bondurant, ex-agente da CIA, anticomunista fervoroso. Os três mergulham no submundo da política: crime organizado em Dallas e Las Vegas, Howard Hughes, Ku-Klux-Klan, tráfico de heroína no Vietnã, extremistas de direita e muitas mortes. Tudo para encobrir as pistas que levavam aos verdadeiros mandantes do assassinato de Kennedy.





Felizmente, até agora não morreu ninguém desde a posse de Lula. Mas a política brasileira começa a ganhar ares de um romance noir, a partir do 8 de janeiro. São chocantes as imagens que mostram o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto, nas quais dialogando com os bolsonaristas que haviam invadido e depredado suas dependências. Passam a impressão de que houve absoluto despreparo ou dissimulada conivência do militar com o que aconteceu.

Marco Edson Gonçalves Dias tem 73 anos, comandou o 19º batalhão de Infantaria Motorizado e a 6ª Região Militar (Bahia). Conhecido como G. Dias, foi secretário de Segurança da Presidência da República nos dois governos de Lula e chefe da Coordenadoria de Segurança Institucional da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Na campanha eleitoral, cuidou de segurança de Lula, que confiava muito nele. Ontem, pediu demissão do cargo, devido à repercussão das imagens e à perda de confiança de Lula, que o considerava um amigo.

O general havia ocultado do presidente da República a existência dos vídeos revelados pela CNN, num grande “furo” de reportagem. Havia decretado sigilo por 5 anos das imagens que, ao mesmo tempo, dizia não existirem. Mas eram do conhecimento do Exército e da Polícia Federal, que investigam aqueles acontecimentos. Muitos 81 militares ouvidos no inquérito do 8 de janeiro aparecem nas imagens conversando com os invasores, sem impedi-los de quebrar o que encontravam pela frente.





CPMI bolsonarista


O capitão responsável pela guarda do Palácio do Planalto no dia do evento foi afastado do cargo somente duas semanas depois. Como ele, todos os integrantes do GSI haviam sido designados pelo seu antigo ministro, o general Augusto Heleno. Ontem, Lula nomeou como chefe interino do GSI o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, que fora interventor na segurança pública de Brasília no dia da tentativa de golpe de Estado.

Em sua defesa, G. Dias argumentou que chegou ao palácio depois da invasão e atuou para retirar os vândalos bolsonaristas do terceiro e quarto andar, encaminhando-os para o segundo andar, onde seriam presos. Velhas imagens do dia do evento, porém, mostram um comandante da tropa de choque da PM esculachando o major do Exército encarregado da Guarda Presidencial, que pretendia deixar os manifestantes saírem livremente e tentou impedir as prisões.

Ontem, o governo passou o dia na defensiva, sem saber muito bem o que fazer, até que Lula resolveu pedir ao general que se exonerasse. Como o ex-ministro era homem de confiança do presidente da República, a narrativa bolsonarista estapafúrdia de que os acontecimentos de 8 de janeiro foram uma grande armação petista, que circula desde 9 de janeiro, voltou a ser agitada nas redes sociais. Mais do que isso, reverbera muito no Congresso.





A instalação de uma CPI Mista para investigar o 8 de janeiro, requerida pelo deputado André Fernandes (PL-CE), integrante da tropa de Jair Bolsonaro, tornou-se um fato consumado. O governo tentou retirar as assinaturas do pedido e não conseguiu. Agora, corre atrás do prejuízo, mobiliza parlamentares petistas e aliados para não perder o controle da comissão.

Fernandes é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal, sob suspeita de incentivar a invasão. Youtuber, mobilizou seus aliados para o 8 de janeiro. Naquele mesmo dia, à noite, compartilhou imagens da porta do armário do ministro Alexandre de Moraes, que fora arrancada durante a invasão do Supremo.

O objetivo da CPMI é desviar o foco das investigações da Polícia Federal e responsabilizar o governo Lula pela invasão do palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo. Parece maluquice, mas os bolsonaristas acreditam nessa narrativa.