No Natal de 1989, a criminalidade nos Estados Unidos atingiu um de seus índices mais elevados índices. Nos 15 anos anteriores, havia aumentado 80%. A partir dos anos 1990, começou a cair repentinamente, até atingir patamares equivalentes ao imediato pós-Segunda Guerra Mundial. As explicações eram as mais diversas: estratégias inovadoras da polícia, prisões mais seguras, mudanças no mercado de drogas, controle de armas, mais polícia nas ruas e outras medidas associadas à segurança pública, além do envelhecimento da população.
O economista Steven D. Levitt, da Universidade de Chicago, e o jornalista novaiorquino Stephen J. Dubner analisaram todas essas hipóteses, inclusive aquela que atribui a queda da criminalidade ao envelhecimento da população, no livro Freakonomics, o lado oculto e inesperado que nos afeta (Editora Campus), para concluir que nada disso foi o fator determinante da queda da criminalidade. Embora os velhinhos fossem menos violentos que os norte-americanos mais jovens, chegaram à conclusão de que o fator determinante da redução da criminalidade fora a legalização do aborto, porque reduziu drasticamente a população de jovens em situação de risco.
Esse direito das mulheres já vigorava em Nova York, Califórnia, Washington, Alasca e Havaí, porém, a Suprema Corte norte-americana, no processo Roe versus Wade, em 1973, legalizara o aborto em todo o território dos Estados Unidos. No primeiro ano da nova lei, 750 mil mulheres fizeram aborto nos EUA; em 1980, já eram 1,6 milhão, um patamar de um aborto para cada 2,25 nascidos vivos, que se manteve constante. Em um país que tinha 225 milhões de habitantes, isso representava um aborto para cada 140 habitantes. Até então, um aborto ilegal em segurança custava torno de US$ 500. Com a legalização, o custo caiu para R$ 100.
Mulheres com menos de 20 anos, solteiras e pobres passaram a dominar as estatísticas. A pergunta chave que faziam era: “que tipo de futuro essas crianças teriam?”. Com a legalização, caíram os casos de casamentos forçados, infanticídios e doação de crianças. Estudos sociológicos também mostravam que as crianças cujas mães tinham esse perfil teriam 50% de possibilidades de viver na miséria, 60% de serem criadas apenas pela mãe. Isso dobrava o risco serem atraídos pela criminalidade, principalmente o tráfico de drogas.
A tese de Levit e Dubner é muito contestada, são heterodoxos, mas vinculados à Escola de Chicago e acusados de “darwinismo social”. Entretanto, merecem reflexão. Segundo o Censo 2022, a população do Brasil atingiu 203.062.512 pessoas, um aumento de apenas 12,3 milhões desde o Censo 2010. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O crescimento médio da população foi de 0,52%, o menor desde 1872, quando do primeiro censo do país.
A vida banal
Com 84,8 milhões de habitantes, a Região Sudeste tem 41,8% da população do país. Na sequência estão o Nordeste (26,9%), Sul (14,7%) e o Norte (8,5%). A região menos populosa é a Centro-Oeste, com 16,3 milhões de habitantes ou 8,02% da população do país, porém cresce à taxa média de 1,2% ao ano, nos últimos 12 anos. Nordeste e o Sudeste cresceram menos que a média do Brasil, de 0,52% ao ano.
Esses dados surpreendem e já surgem questionamentos quanto à qualidade do Censo, que passou por adiamentos, uma séria crise de financiamento e uma pandemia. Mas refletem uma tendência que já havia sido observada: as novas gerações têm menos filhos que as anteriores, sendo muito frequente a incidência de jovens que simplesmente não querem ter filhos.
São Paulo, Minas Gerais e o Rio de Janeiro são os três estados mais populosos do país e concentram 39,9% da população. Só o estado de São Paulo, com 44 milhões 420 mil 459 pessoas recenseadas, com 21%, representa um quinto da população. Na sequência vêm Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul. Os estados da fronteira norte são os menos populosos; Roraima tem a menor população (636 303 habitantes), seguido do Amapá e do Acre. O DF e mais 14 estados tiveram taxas médias de crescimento acima da média nacional (0,52%) entre 2010 e 2022. Brasília passou a ser a terceira cidade do país, com 1,8 milhões de habitantes, atrás apenas de São Paulo (11,4 milhões) e Rio de Janeiro (6,2 milhões).
Salvador (BA) foi a capital com a maior perda de habitantes, redução de 258 mil em 12 anos. Em seguida, Natal (RN), Belém (PA) e Porto Alegre (RS), com variação negativa de 7%, 6% e 5%, respectivamente. Mas em números absolutos, o Rio de Janeiro vem em segundo, com queda de 109 mil habitantes. Esses dados são essenciais para as políticas públicas, cujos indicadores precisam ser confrontados com os resultados do Censo 2022, principalmente na educação, na saúde, na habitação, nos transportes e na segurança pública.
Por que nossos jovens não querem ter tantos filhos? Em que medida a degradação da “vida banal” das cidades brasileiras, para usar a expressão do falecido geógrafo e professor Milton Santos, com sua insegurança econômica e violência, e os 500 mil abortos/ano registrados pelo SUS (uma a cada sete mulheres, aos 40 anos, já fez pelo menos um aborto na vida; 52% com menos de 19 anos) estão por trás dessas estatísticas?