“Quinta coluna”, a única peça teatral de Ernest Hemingway, autor de “O velho e o mar”, transporta o leitor aos horrores das batalhas da Guerra Civil espanhola, iniciada em junho de 1936, quando o general Francisco Franco, admirador de Adolf Hitler e Benito Mussolini, líderes do nazi-fascismo, rebelou suas tropas para derrubar o governo constitucional republicano. Foi mais bem-sucedido do que os que tentaram um compõe e fracassaram com na invasão dos palácios dos três Poderes, em 8 de janeiro, como mostra a série “Os pacientes do Dr. Garcia” (Netflix) .
Publicado pela Bertrand Brasil, com tradução de Ênio Silveira e capa primorosa, na qual aparece uma víbora peçonhenta, a peça narra o cerco de Madri, que durou três anos, nos quais ocorreram intensos combates. Quatro colunas das forças franquistas avançaram sobre Madri e a mantiveram sob ataque. Entretanto, havia uma força agindo dentro da cidade, que indicava alvos para os bombardeios, realizava atos de sabotagem e assassinatos. Era a chamada Quinta-Coluna, termo que passou a designar grupos ou indivíduos que atuam sub-repticiamente, num país ou num partido, a serviço de seus inimigos.
Profundamente antifascista, Hemingway era simpático aos republicanos espanhóis. Ex-combatente, chegou a atuar no treinamento militar dos republicanos que defendiam o governo. Era apaixonado pela Espanha, como mostra outra de suas obras: “O sol também se levanta”, o primeiro romance, lançado em 1926 com enorme sucesso, e em “Por quem os sinos dobram”, escrita em 1939-1940, já sob o impacto da derrota dos republicanos. Denunciou as atrocidades cometidas pelos franquistas, como o bombardeio de Guernica, uma vila de pescadores usada para testar a eficácia da força aérea de Hitler, massacre denunciado pelo pintor Pablo Picasso numa obra magnífica, e o assassinato-execução do poeta Federico García Lorca.
A Espanha foi a pátria que Hemingway adotou, encantado pelo povo espanhol, tão solar e cheio de vitalidade, na depressiva Europa pós-Primeira Guerra. Era apaixonado pelas touradas, pela comida e mesmo pelo idioma. Vê-la tomada pelos fascistas causava-lhe uma dor extrema. A Guerra Civil inclusive acabou com um casamento do escritor: Pauline Pfeiffer, a segunda esposa de Hemingway, era católica devota e apoiava Franco.
Hemingway nasceu nos Estados Unidos, em 21 de julho de 1899. Foi a referência de uma geração chocada pela carnificina sem precedentes da Primeira Guerra Mundial, na qual lutou como voluntário, na Itália. Ganhou o Prêmio Pulitzer e o Nobel com “O velho e o mar”, respectivamente em 1953 e 1954. Em 2 de julho de 1961, suicidou-se com um tiro de espingarda na cabeça, em ketchup, Idaho (EUA). Era um dos escritores mais populares do século 20.
Terceira via
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa separar o joio do trigo ao lidar com as críticas. Uma coisa são os aliados ou apoiadores de Lula no segundo turno, que têm críticas à condução do governo, que deveriam ser levadas mais em conta; outra, os setores que apoiaram Bolsonaro e estão se descolando de sua base de apoio, principalmente no Congresso, para aderir ao governo. Em ambos os casos, tratá-los como uma espécie de “Quinta Coluna” é um erro crasso, que alguns ministros e parlamentares do PT vêm fazendo. Os governistas precisam ampliar a base política do governo.
Ciscar pra dentro implica num discurso que tenha mais apoio político na sociedade e alargar o espectro de forças que compõem a base de sustentação do governo no Congresso. Do ponto de vista objetivo, a mudança positiva representada pela eleição do presidente Lula fala por si só, mas isso não significa que sua narrativa tenha a mesma aceitação. A tese da “democracia relativa”, por exemplo, não é uma mera patacoada. É uma concepção instrumental do nosso Estado democrático de direito, no qual o poder é limitado pelos direitos dos cidadãos e os abusos de autoridade são coibidos. Essa concepção se desdobra em outros posicionamentos, como aquele que insiste em afirmar que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi um golpe, quando se tratou de um processo político-institucional regulamentado pela Constituição.
Pode ser que o objetivo do presidente Lula seja se entrincheirar no campo da esquerda para enfrentar possíveis reveses no Congresso. Mas isso não vai resolver o problema, porque a hegemonia política não se resume ao exercício do poder político, exige também a liderança moral da sociedade. O PT isolado não tem essa liderança, Lula sem o apoio do centro também não terá. O “apelo às massas” é uma faca de dois gumes, porque fomenta uma radicalização política que pode ser mais favorável à extrema-direita.
De outra parte, a chamada terceira via é sempre uma possibilidade política e, talvez, até necessária, para obrigar Lula a moderar o discurso e dar mais atenção ao centro político. Entretanto, está esvaziada em decorrência de que suas principais lideranças estão no governo, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (Desenvolvimento), Simone Tebet (Planejamento) e Marina Silva (Meio Ambiente) ou contingenciadas pelas prioridades de sua própria gestão, como o governador do Rio Grande Sul, Eduardo Leite (PSDB). Quanto à chamada Quinta-Coluna, “no creo, pero que la hay, la hay!”