Apesar do forte simbolismo da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o seu vice, Geraldo Alckmin, eternizado na foto de subida da rampa do Palácio do Planalto em companhia do cacique Raoni e outros representantes de minorias, o marco inaugural de seu novo governo foi o dia 8 de janeiro. Enquanto bolsonaristas de extrema direita invadiram e depredaram as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário, com claro objetivo de provocar uma intervenção militar, o ex- presidente da República e alguns auxiliares mais próximos, como ex-ministro da Justiça Anderson Torres, acompanhavam as cenas pela tevê, em Miami (EUA).
A tentativa de golpe virou caso de polícia, a ser julgado pelo Supremo. Nestes seis meses, a agenda do país mudou radicalmente. A pauta identitária, que estava dando o tom do governo, ao lado da agenda ambiental e da diplomacia presidencial, ficou em segundo plano. A centralidade política passou a ser a defesa da democracia, compartilhada com os demais poderes, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF). Naquele momento, embora dono de 58.206.322 votos (49,1%), 400 mil a mais do que 2022, Bolsonaro iniciava o processo de isolamento que culminou na sexta-feira passada, com a fragorosa derrota que sofreu na Câmara. A reforma tributária foi aprovada em primeiro turno, por 382 deputados a favor e 118 contrários (três se abstiveram); na segunda votação, foram 375 votos a favor e 113 contrários à PEC.
Que ninguém se iluda. A vitória na votação se deve a uma aliança entre o presidente Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que teve muita fricção nesses seis meses, mas de fato vem sendo decisiva para os rumos do país. Foi iniciada antes mesmo da posse, com aprovação da PEC da Transição. Eleito com 60.345.825 votos (50,9%), apenas 1,8% de vantagem em relação ao ex-presidente da República, graças a esse acordo, Lula pode relançar o Bolsa Família e o Minha casa, minha vida nos primeiros dias de seu governo. A contrapartida foi a reeleição de Lira à Presidência da Câmara, com apoio do PT.
Relembrar essa PEC é importante para compreender a vitória do governo. Muito criticada em razão do volume de recursos do Orçamento da União que ultrapassava o antigo Teto de Gastos – R$ 145 bilhões para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás, a Farmácia Popular e outras políticas públicas –, a PEC da Transição proporcionou o estoque de emendas parlamentares impositivas que o governo Lula teve para negociar a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Foram liberados mais de R$ 11 bilhões do Orçamento, somente na semana passada.
Blindagem
O fluxo de recursos que sedimenta as relações do Executivo com o Congresso chegará neste ano a R$ 9,85 bilhões em emendas para políticas públicas (50,77% dos R$ 19,4 bilhões das emendas de relator que foram consideradas inconstitucionais pelo STF). A outra metade foi direcionada para emendas individuais, que passaram de R$ 11,7 bilhões (R$ 19,7 milhões por parlamentar) para cerca de R$ 21 bilhões. É muito dinheiro que passará às mãos do Congresso. O valor global das emendas aumentou de 1,2% da receita corrente líquida da União para 2%. A Câmara ficará com 77,5% do valor global das emendas individuais; e o Senado, com 22,5%. As emendas são impositivas, mas o fluxo de execução, até o final do ano, depende da caneta de Lula.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, merece um parágrafo à parte. Contingenciado pelo Congresso, fez do limão uma limonada nas negociações para aprovação do novo arcabouço fiscal, da reforma tributária e do voto de Minerva nas decisões do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), cujas decisões somam R$ 70 bilhões, somente neste ano, em causas milionárias. A quantidade de processos à espera de julgamento no Carf chega a R$ 1 trilhão. Por uma mágica da política, a equipe econômica foi blindada com reformas indispensáveis para o governo executar suas políticas públicas (arcabouço fiscal), gerar expectativas positivas de investidores (reforma tributária) e reforçar o caixa do Tesouro paras despesas correntes (voto de Minerva no Carf). O esperneio de Bolsonaro não é à toa.
O dólar fechou o semestre com desvalorização de 9,27% frente ao real. O principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa), a B3, acumula alta de 7,61%, com uma elevação recorde de 9% neste ano. Os preços estão sendo reajustados em razão da inflação passada, não por causa da expetativa de elevação futura de preços. Resultado: não há motivo para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, manter a taxa de juros atual. A economia continua contingenciada por juros de 13,75%. O remédio virou veneno, ainda mais depois da aprovação da reforma
rocando em miúdos, com o novo ambiente econômico e o isolamento de Bolsonaro, estão dadas as condições para a consolidação da aliança Lula-Lira, com a entrada do Centrão no governo.