O presidente Luiz Inácio Lula da Silva opera uma negociação complexa para incorporar o PP e o PR ao governo e ampliar a base parlamentar de seu governo. Esse movimento não começou agora, de certa forma foi iniciado na negociação da PEC da Transição e na reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas ganhou força com a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária pela Câmara. Aos que temiam a formação de um governo de esquerda, essa possibilidade está sendo sepultada; a incorporação das duas legendas consolidará um governo de ampla coalizão democrática, o que não significa que não surjam críticas desses mesmos setores ao “loteamento” dos ministérios.
Entretanto, antes mesmo da ampliação da composição do governo, já havia uma concepção predominante na cúpula do PT de que o governo Lula estaria em disputa, que se daria em dois níveis: no plano das políticas públicas e na ocupação de espaços na Esplanada dos Ministérios. Agora, esse embate se acirra, com a recusa do PT a ceder seus espaços no governo para os aliados que estão de chegada. Essa recusa ficou expressa nas declarações do líder do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu (PR), ao afirmar que todos os partidos deveriam ter a “generosidade e visão estratégica de ceder”.
De certa forma, o líder petista teme menos uma mudança do governo em direção à centro-direita e, muito mais, a perda de espaços não só na cúpula dos ministérios, mas também nos estados e municípios, principalmente naquelas pastas que os partidos do Centrão mais cobiçam, os ministérios que “têm capilaridade”. Foi quase um sincericídio: “Não estamos falando só de ministérios, pois a equação nos estados ainda não se completou, com muito cargo que ainda não foi nomeado, temos secretarias de segundo escalão dentro dos ministérios, diretorias de estatais, um conjunto de cargos que são legítimos, e que acontece em todos os estados do Brasil e outros países, que esses partidos venham a ocupar”, disse Zeca Dirceu.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, não esconde de ninguém que as negociações para incorporação do Centrão estão consolidadas, falta acertar os detalhes. Os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (REP-PE), por exemplo, são nomes certos para compor a Esplanada. Em tese, tudo ainda está em aberto para negociação, exceto o Ministério da Saúde, cuja titular, Nísia Trindade, foi blindada por Lula. O grande artífice dessa aproximação foi líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), nas negociações com o baixo clero para aprovação dos projetos de interesse do governo. Aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a ser atacado por alguns de seus pares. Guimarães é “homem de Lula”, não de Lira, quem quiser que se iluda.
“A tese de incorporar esses partidos no governo já está consolidada. Igualmente esses nomes que surgiram na imprensa por indicações dos partidos. Essas forças políticas irão para o governo", disse Guimarães. Ninguém é imexível, exceto Nísia e, obviamente, Haddad. Sabendo disso, a cúpula do PT resiste ao deslocamento de alguns de seus quadros de pastas importantes, como é o caso do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, que controla o programa social mais emblemático do governo Lula, o Bolsa Família. Quando fala que os aliados precisam colaborar, o líder Zeca Dirceu está mandando recado para o MDB, o PSB, PDT, PCdoB e a Rede, principalmente.
Pragmatismo
Um dos alvos do PT é o vice-presidente Geraldo Alckmin, que acumula a pasta de Desenvolvimento Econômico e é um “cristão novo” no PSB. A legenda não brigaria por Alckmin, daria preferência aos seus quadros históricos, mas acontece que o ex-governador de São Paulo é um coringa de Lula na área econômica. O vice-presidente não tem perfil de quem se oporia à vontade do presidente da República, mas obviamente uma decisão dessa ordem, de forma atribulada, pode deixar sequelas graves no relacionamento político. Ministro pode ser demitido; vice-presidente, não.
Tudo indica que o presidente Lula tomará as decisões sobre as mudanças na equipe de governo ainda hoje. É um político pragmático. Entretanto, a entrada no Centrão no governo é uma mudança de natureza estratégica, sim, que tende a afetar todas as pastas ocupadas pela esquerda, mesmo que nelas não haja mudança de ministro. Com ampliação e consolidação da base parlamentar na Câmara, a agenda do governo será mais moderada e as pautas conflituosas com essa base não poderão prosperar. Junto com o PR e o PP, por exemplo, vêm setores evangélicos e do agronegócio, o que repercutirá nas políticas do governo com perfil mais progressista. A grande dificuldade será encontrar o ponto de equilíbrio, o caminho do meio.
Assim como durante o governo Bolsonaro, parte da agenda conservadora foi bloqueada pelo Centrão, principalmente na questão democrática e nos costumes, no governo Lula acontecerá a mesma coisa, com sinal trocado, na área econômica e social. Esboça-se a construção de um programa mínimo, que unifique as forças do governo ou atenda parte dele sem criar conflitos insolúveis com as demais. Um programa máximo, como gostaria a cúpula do PT, subiu no telhado, tanto na área econômica como social, desde a aprovação do arcabouço fiscal.